É mera convenção ortográfica. Os m e n de um e uns não se realizam como consoantes; simplesmente nasalam o u, resultando na vogal nasal [ũ], a mesma nas duas palavras. Eu sei que isto já gerou desacordo nos comentários acima, mas é o que está de acordo com tudo o que vi sobre fonologia da língua portuguesa.
A Gramática do Português da Gulbenkian (tomo III, 2ª edição, 2021), diz explicitamente que um se pronuncia [ũ] (pp. 2828 e 3243), a mesma vogal que em assunto (p. 3255). E no tomo I diz que de um e de uns, quando não se fazem as contrações dum, duns, se pronunciam (em Portugal) [djũ] e [djũꭍ] ([j] como i em diurno, [ꭍ] como em chá). A Infopédia também indica [ũ] em um, e [ũꭍ] tanto em circunscrição como em circum-escolar.
Portanto as terminações -m do singular e -ns do plural são mera convenção ortográfica. Que aliás resultam da regra geral da nossa ortografia que dita que a vogal nasal, quando não é indicada por til (lã, leões), é indicada por m em fim de palavra e antes de b e p, e por n antes de qualquer outra consoante (incluindo s, quer este indique plural ou não): ele tem, vem; tu tens, vens.
Isto não quer dizer que um ouvido atento e apurado não possa detetar diferenças entre o [ũ] de um e o de uns. A Gramática do Português (p. 3247) diz que na fala normal a coprodução de uma vogal (ou outro som) com sons adjacentes “dá lugar a uma variação significativa relativamente ao que se pode considerar serem as suas características canónicas”. Ou seja, a pronúncia exata do [ũ] em uns vai ser afetada pelo s; e em um, pelo som inicial da palavra seguinte se a houver.
Análise morfológica
Isto baseia-se nos capítulos “54 Introdução à morfologia” e “55 Morfologia do nome e do adjetivo” de Maria Antónia Mota (doravante simplesmente Mota) na Gramática do Português da Gulbenkian (tomo III, pp. 2787-2930). Em primeiro lugar, note-se que a morfologia se baseia na fonologia e não na ortografia. A exposição do assunto recorre à forma ortográfica da palavra só para facilidade de leitura (pp. 2836-7), com explicações adicionais onde necessário.
Na notação de Mota, depreende-se que o radical de um e uns é U/N/ (omitem-se as barras, UN, se não houver perigo de confusão), em que /N/ é um “autossegmento fonológico nasal flutuante”, uma “consoante subespecificada” (pp. 2809 e 2855), que para o que nos interessa, quando se liga a uma vogal à esquerda, nasaliza-a, podendo desencadear ditongos (jovem); quando se liga a vogal à direita, realiza-se como [n] (juvenil). Mota apresenta apenas uma breve discussão da morfologia de um e uns (pp. 2827-8):
O artigo indefinido um, que se reduz a uma vogal nasal, sugere a possibilidade de duas análises: um radical com a forma fonológica /uN/ (cf. Nota 23), paralelamente a atum
Mota não nos mostra diretamente a decomposição de um e uns, mas mostra a de atuns. Nas pp. 2868-9 fica claro que o radical de atum é ATU/N/, o de jejum é JEJU/N/, etc., e na p. 2881 mostra-nos o plural de atuns, dizendo explicitamente que a formação do plural não acarreta nada de especial nesta classe de palavras:
A adjunção de -/S/ a uma base que apresenta o segmento nasal /N/ em final absoluto do radical/tema e uma vogal nasal ([ũ], por exemplo), ou o ditongo [ɐ̃j̃] em realização fonética não desencadeia nenhum fenómeno em particular:

Explicando: “ATUN” é um radical nominal (RN), onde “N” é o segmento nasal; “―” indica a inexistência de índice temático (IT, corresponde à vogal temática dos verbos); logo, o tema coincide com o radical, dando-nos o singular atum; e /S/ é o marcador fonológico do plural, cuja realização depende do dialeto e ambiente fonológico.¹
Portanto não há nada de especial na passagem do singular ao plural. Há é entre o masculino e feminino. Não nos deixemos enganar pela ortografia: em uma há realmente a consoante fonética [m], enquanto em um há apenas o segmento nasal /N/. Pelo que consegui compreender, uma possibilidade (Mota refere “duas possibilidades de análise”) é admitirmos dois radicais diferentes: U/N/ para o masculino e UM para o feminino. A preferência de Mota vai no entanto para um radical comum U/N/, em que o segmento nasal /N/ em uma e umas se realiza excecionalmente como [m]. Mais ainda, ela adota para um a seguinte abordagem (em alternativa a /uN/ indicada acima, p. 2828):
um tem a forma fonológica /uNu/, sendo a última vogal o índice temático. /N/ nasaliza a vogal precedente (/N/ não se realiza como consoante nasal ― cf. grafia arcaica do português ũu, hũum, huum). Na forma final, há fusão das duas vogais idênticas em [ũ], um.
A elegância desta abordagem é que do mesmo radical U/N/ resulta um paradigma completo em género e número (um, uns, uma, umas) à semelhança dos adjetivos biformes (e.g. belo, belos, bela, belas, do radical BEL). Adotando a notação de Mota ficaria (o índice temático -o é fonologicamente /u/, Ø indica marcador nulo do singular, e /N/ nasaliza o /u/ anterior no masculino e realiza-se como [m] no feminino):

No português medieval não havia nada destas complicações: a representação morfológica seria a mesma, mas o índice temático -o do masculino não se fundia com o radical, e o segmento nasal simplesmente nasalava o u anterior quer no masculino quer no feminino (não se realizava como [m]), daí as formas medievais ũu e ũa, pronunciadas com hiato, [ũ.u] e [ũ.ɐ] (resultante da queda no n fonético do latim). O [m] de uma terá surgido como forma de preencher o hiato em [ũ. ɐ] (basicamente os lábios quase fecham para pronunciar [ũ]; se fecharem completamente, ao reabrirem para pronunciar o [ɐ], produzem [mɐ]; vê esta pergunta que explica isto muito bem, e estoutra sobre quando isso terá acontecido).
Nota: ¹ Na pronúncia padrão de Portugal, e em geral de quem chia o s, o /S/ realiza-se como [ꭍ], de chá, em uns cordeiros, como [ʒ], de já, em uns borregos, e como [z] em uns anhos; para quem não chia o s, a maioria dos brasileiros, realiza-se como [s], de aço, em uns cordeiros e como [z] em uns borregos e uns anhos.