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Esquisito, exquisite (inglês), exquis (francês) e exquisito (espanhol) derivam todos do latim exquisitus, que significa rebuscado, procurado, escolhido. Mas enquanto em português esquisito é usado (quase?) só pejorativamente, os cognatos nas outras três línguas mantiveram significados extremamente apreciativos, mais próximos do significado original no latim:

Espanhol exquisito. De singular y extraordinaria calidad, primor o gusto en su especie.

Francês exquis. Qui est recherché, choisi parmi ce qu'il y a de plus délicat pour le goût. Etc.. (Que é procurado, escolhido entre o que existe de mais delicado para o gosto.)

Inglês exquisite. Extremely beautiful and very delicately made. Etc.. (Extremamente belo e feito muito primorosamente.)

Nos dicionários, estes significados também são atribuídos ao português esquisito, mas estão a meu ver obsoletos. Esquisito, pelo menos na minha experiência, é usado só pejorativamente, com o significado de estranho, extravagante, difícil de compreender, ou (acerca de uma pessoa) que não gosta de quase nada.

Não difícil imaginar vias possíveis para a evolução dos significados, mas como e quando é que se deu essa evolução? Quando é que os significados originais de esquisito caíram em desuso, e os novos apareceram?

Jacinto
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  • My experience with "esquisito" in ptBR is that it has no pejorative connotation most of the time. Let's see some examples 1. O tempo está meio esquisito hoje. (The weather looks strange, we can't tell what it is going to be like) 2. Ele é um cara muito esquisito (he is a most peculiar guy) 3. Isso tudo está muito esquisito (All this looks very odd) 4. Que cheiro esquisito (what a strange odor) "Esquisito", but right now I can't think of a single sentence where "esquisito" has a pejorative connotation. – Centaurus Dec 03 '15 at 00:05
  • It is just possible that this is one more transatlantic difference between us. Maybe, with the right intonation, a sentence like "você é muito esquisitão" or "Teu amigo é um cara muito esquisito", might convey it. – Centaurus Dec 03 '15 at 00:05
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    Em todos os teu exemplos, "esquisito" tem um sabor algo pejorativo para mim. Nestes ainda mais: "este vinho tem um sabor esquisito," "sinto-me esquisito hoje." No artigo citado pela Carla, lê-se: "Em nenhum lugar o sentido [de esquisito] é pejorativo, o que nos faz pensar que isso é peculiaridade exclusivamente do português." O artigo é brasileiro, portanto parece que também há no Brasil quem ache que equisito tem conotação pejorativa. – Jacinto Dec 03 '15 at 08:23
  • @Centaurus: a minha citação do artigo da Carla ficou um bocado esquisita. "Em nenhum lugar" refere-se a nenhum lugar na obra de autores romanos. – Jacinto Dec 03 '15 at 08:34
  • @Centaurus nessas frases, eu entendo "esquisito" como negativo, à semelhança do Jacinto. "Estranho" eu entenderia mais neutralmente, se bem que uma vez me meti em sarilhos por dizer que a comida que alguém cozinhou para mim tinha "um sabor estranho..." que emendei rapidamente (mas não rapidamente que chegue) para "bom mas desconhecido!!" – ANeves Dec 04 '15 at 11:06
  • @ANeves: Na próxima vez diz "sabor intrigante, curioso, exótico, interessante." Se disseres "diferente" tens que limpar o prato e pedir mais; se não, é duvidoso. – Jacinto Dec 04 '15 at 11:11

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É possível encontrar uma descrição mais ou menos detalhada da 'trajetória' da palavra 'esquisito' neste excelente artigo do professor Mário Eduardo Viaro.

Em resumo, a mudança ocorreu na segunda metade do século XIX, embora antes também seja possível encontrar uma ou outra referência a uma diferente acepção. Um exemplo, listado adiante, mostra o uso de ironia para dar significado diferente à palavra, deixando um indicativo de que a ironia possa ter sido um dos mecanismos da mudança semântica.

Percurso da ironia

Consultando o Corpus do Portu­guês,de Mark Davies e Michael J. Ferreira (http://www.corpusdoportugues.com), observa-se que de fato é a segunda metade do século XIX a responsável pela mudança: o novo valor da palavra ocorre já em Machado de Assis (1839-1908), Júlio Dinis (1839-1871), Camilo Castelo Branco (1821-1890), Ramalho Ortigão (1836-1915), embora tenha certa resistência, por exemplo, em Rebelo da Silva (1822-1871) e Júlio Ribeiro (1845-1890). Artur Azevedo (1855-1905), contudo, oscila entre os dois usos.

Contrariamente a essa descoberta, verifica-se que um uso irônico da palavra aparece na correspondência da Marquesa d´Alorna (1750-1839), já em 1809:

“Não foi mais possível ver Dom D. Rodrigo nem falar-lhe, nem respondeu a cartas, nem deu passaportes, nem concluiu nada. Método esquisito de tratar negócios de tanta importância, pois entre gente tão distinta e tão importante, uma decisão, uma resposta favorável ou negativa, poupa tempo, danos e ruínas de fazenda, honra e vida”.

Esse trecho é interessante (aparentemente aí significa apenas “excelente”), pois a ironia é um dos maiores mecanismos de mudança semântica. Eis aí o passo crucial da transformação. Muitas palavras cultas tornam-se populares, pelos mais diversos motivos, mas essa transição nem sempre é tranqüila: uma reviravolta no sentido é importante e comum.

carla
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