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Acredito que, se correto, seu uso na língua falada seja muito raro. Além do mais, existem formas mais simples de se dizer o mesmo: "apresentaram-te a nós", "tu foste apresentada a nós", etc. Caso seja realmente gramatical, me parece um verbo muito sobrecarregado de pronomes oblíquos e soa muito estranho aos meus ouvidos. É correta essa formação?

Centaurus
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Não. Como mencionei nestoutra resposta, não é possível usar simultaneamente dois clíticos que não têm formas distintas para o acusativo e para o dativo (i.e. clíticos da 1ª e 2ª pessoas).

Segundo a Gramática do Português da Gulbenkian (vol. II, p. 2236):

Os pronomes de primeira e segunda pessoa, que não apresentam formas morfofonologicamente distintas para o acusativo e o dativo, não podem formar entre si grupos clíticos. Por isso, a sua coocorrência numa mesma oração não é permitida. Assim, a partir de entreguei-me completamente a ti não é possível obter *entreguei-me-te completamente, com o clítico te (dativo) substituindo a forma pronominal forte ti, complemento da proposição a. O mesmo se pode dizer de *entregámo-nos-vos, a partir de entregámo-nos a vocês, e de outros casos semelhantes.

Se houver uma perífrase verbal, poderá ser possível fazer subir um dos clíticos e assim permitir a sua coexistência. Por exemplo:

Eles ainda nos hão de apresentar-te.

Esta impossibilidade parece não ter existido no passado. Diz Evanildo Bechara na sua gramática:

Nas demais combinações [de pronomes átonos], o português moderno prefere substituir o pronome átono objetivo indireto pela forma tônica equivalente, precedida da preposição a.

Enquanto dizemos hoje a mim te mostras ou te mostras a mim, a língua de outros tempos consentia em tais dizeres:

“Porque assi te me mostras odiosa?” [JCR.1 apud SS.1, § 271].

onde JCR.1 se refere a Naufrágio de Sepúlveda de Jeronymo Corte-Real (1598).

Artefacto
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    Eles adiantam alguma razão para a impossibilidade? Por exemplo, não se saber qual é o acusativo e qual é dativo? – Jacinto Dec 06 '15 at 19:35
  • @Jacinto Não. Essa é uma explicação possível, mas não cobre a impossibilidade de se-o (e.g. *mandou-se-o embora, só possível nalguns dialetos). – Artefacto Dec 06 '15 at 20:17
  • Também não estava muito convencido dessa razão. Seria possível convencionar uma ordem. Lembrei-me que no inglês também se diz give me the book mas não *give me it. Poderá em ambos os casos uma questão de não soar bem. – Jacinto Dec 06 '15 at 20:25
  • @Jacinto "give me it" está correto no inglês. Acho que a razão pode originar numa ordenantiga dos pronomes oblíquos. No espanhol por exemplo, seja a sua função, o te sempre vai antes do me : te me acerco e te me acercas. Se o verbo não é reflexivo há ambiguedade total. Então pode que no desenvolvido do português os falantes rechazassem a combinação. – user0721090601 Mar 30 '16 at 03:43
  • @guifa Sim, descobri aqui que give me it é comum nalguns dialetos. O Ngram mostra-o com um frequência de 1% de give it to me; na realidade é menos ainda, porque a maioria das ocorrências são falsos positivos (e.g. the gift he as kind to give me. It is...) – Jacinto Mar 30 '16 at 08:53
  • @Jacinto http://linguistics-research-digest.blogspot.nl/2014/01/give-it-me_27.html – Artefacto Mar 30 '16 at 09:51
  • @Artefacto Muito interessante. Parece haver uma divergência entre língua escrita e falada. Eu vivi nas Midlands durante uns anos, e não me lembro de ouvir give it me. Só se eles diziam give it me e eu ouvia give it to me. – Jacinto Mar 30 '16 at 11:11
  • ( @guifa não se diz rechazar em português, só em espanhol. Podes usar rejeitar, ou recusar. HTH!) – ANeves Sep 26 '18 at 16:57
  • @ANeves Obrigado, é uma das coisas que sei mas... ao ir duma para otra língua uso uma palavra da outra. Hoje mesmo usei mais duma vez ficar no espanhol haha – user0721090601 Sep 26 '18 at 22:16
  • @ANeves em português há o coganto rechaçar. – Artefacto Sep 26 '18 at 22:37
  • Wops, afinal há o rechaçar sim... Desculpa-me @guifa, :) do alto da minha minha vontade de ajudar acabei por dizer uma asneira! – ANeves Sep 27 '18 at 04:30