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Estas duas expressões idiomáticas são muito comuns em Portugal. Quanto ao Brasil, elas vêm no Michaelis (ter 48) e são muito frequentes na literatura do século XIX. Atualmente parecem ser pouco comuns (ver comentários) mas ainda se encontram nalguns autores (incluo dois exemplos abaixo).

Ir ter a significa ’chegar a, ir parar a, desembocar’:

Seguimos por um atalho, e fomos ter a uma casa abandonada.

Este caminho vai ter à estrada principal.

Se subisse sempre, iria ter à avenida Paulista. [Maria de Lourdes Teixeira, Rua Augusta, 1963.]

Ir ter com significa ’dirigir-se a (alguém), ir encontrar-se com (alguém)’:

Vou ter contigo às cinco horas.

[...] meu companheiro, fiado na amizade que granjeara entre os gentios, iria ter com eles, a ver se o aceitavam como hóspede. [Álvaro Cardoso Gomes, Os Rios Inúmeráveis, 1997.]

O significado de ir nestas expressões ainda se compreende, mas o de ter é mais enigmático. Donde vêm estas expressões e quando começaram a ser usadas?

Jacinto
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  • Creio serem exclusivas de pt-PT. Entendemos perfeitamente o significado mas não são de uso de uso corrente em pt-BR. – Centaurus May 06 '16 at 17:39
  • @Centaurus Interessante. Encontro ir ter com com alguma frequência em autores brasileiros do século XX; ir ter a é menos frequente, mas também encontro. Agora o curioso é que no séc. XIX estas expressões são de longe muito mais comuns nos autores brasileiros que nos portugueses. Vou incluir alguns exemplos na pergunta. – Jacinto May 06 '16 at 19:16
  • Jacinto, sim, diversos escritores brasileiros usaram a expressão, menos frequentemente agora no século XXI. Na língua falada, no entanto, imagino que seja muito raro. A mim soa como algo saído de um livro da primeira metade do século XX. – Centaurus May 07 '16 at 00:12
  • Dom Casmurro: "Minha mãe assoou-se sem responder. Prima Justina creio que se levantou e foi ter com ela." – André Lyra May 10 '16 at 14:56
  • @AndréLyra Neste Corpus do Português encontras dúzias de ir ter com e ir ter a de autores brasileiros do século XIX, incluindo do Machado de Assis. Pelo menos na literatura estas expressões eram até bem mais populares no Brasil que em Portugal. – Jacinto May 10 '16 at 22:05
  • Poderia significar discussão? – André Lyra May 12 '16 at 18:56
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    @AndréLyra Ir ter com alguém significa dirigir-se a alguém, ir encontrar-se com alguém, como explico na pergunta. Em Portugal é a forma mais comum de exprimir esta ideia. Imagina que estávamos a falar ao telefone; eu poderia dizer «estou no café Vanicelos; *vem ter comigo*». – Jacinto May 12 '16 at 19:54

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Maria José Carvalho tem no seu artigo Aspetos Sociocognitivos da Variação e da Mudança Semântica: Haver e Ter em Estruturas de Posse a explicação (pág. 372):

2.5. Teer com sentido de ‘desembocar’

A lexia complexa “ir ter” (‘desembocar em’, ‘intersetar’) documenta-se igualmente no nosso corpus, em documentos das últimas décadas do século XV e primeiro quartel do século XVI, substituindo a estrutura trecentista “ir ferir”. Recordamos, a esse propósito, a perífrase que se documenta no século XIV para transmitir essa noção:

(i) «como uay ferir ſuſo» (1321 Alc 17)
(ii) «uã ferir ao rrio de Selir» (1321 Alc 17)
(iii) «uã ferir aa varz(ea) (1321 Alc 17)
(iv) «uã ferir aa ponte» (1321 Alc 17)

As abonações quatrocentistas e quinhentistas exibem o verbo ter neste contexto, refletindo uma extensão tardia à noção de ‘intersetar’:

(v) «(…), e eſto do camjnho que uay da ponte noua pera o porto de Muja atee o Tejo e do camjnho pera çima a ter o camjnho de Meos» (1478 MA 122)
(vi) «(…) o quall aſentamento parte do abrigo com as cabaceeyrras, e de hy ſe vay a rrebeyrra (…) e da paarte do agujã vay teer ao outeyrro do careyrro e per hy affondo per o Vall de Froles e vay teer a ffonte » (1500 MA 136)
(vii) «e por quanto o dito moſteiro eſtaua ẽ poſſe de tanto tenpo que memoria dos homẽs nõ he ẽ contrairo, rreçeber e aver todalas couſas que ſaem e vem ter aos portos e coſta do maar» (1515 SM 141)
(viii) «(…) aſy dos taes pexes rreaes como de todalas outras couſas que ſaẽ e vẽ ter haa coſta do dito maar» (1515 SM 141)

Como se pode inferir, o sujeito da oração não é a entidade que “tem”, já que este é captado cognitivamente como a entidade que interseta, identificando-se o “objeto” intersetado com uma espécie de locativo.

Jacinto
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