Os dois verbos partilham vários mas não todos os significados aplicáveis às frases apresentadas, pelo que não é possível garantir que elas sejam equivalentes. O Aulete explica avir e haver (significados 16 e 17), e eu deixo aqui as definições do Houaiss (Lisboa, 2003):
avir v 1 t.d. e pron. pôr(-se) em harmonia com; conciliar(-se) <fez tudo para avi-los> <avieram-se após longa conversa> 2 pron. diligenciar por resolver pendências; entrar em entendimento; entender-se <os funcionários descontentes foram avir-se com o patrão> 3 pron. adaptar-se, acomodar-se <teve que se avir com aquela situação>
haver v 23 pron. ter trato com; lidar <é melhor havermo-nos com a secretária e não com o ministro> 24 pron. prestar contas a; avir-se <quem não for já para a cama vai haver-se comigo depois>
A frase «terá de se avir com o pai» é muito atípica. Mas poderíamos imaginar uma situação em que um filho, especialmente adulto, está zangado com o pai, e alguém diz, usando avir no sentido 1 do Houaiss, ‘conciliar’:
Ele terá de se avir com o pai: não pode ficar de relações cortadas com ele para o resto da vida.
Avir-se põe a tónica na conciliação e resolução de desavenças. Haver-se também pode ser empregue desse modo, mas tem outros significados que avir-se não tem. Nomeadamente a construção (ter de) se haver com é muito usada, mas sobretudo no sentido de ‘prestar contas’ em ameaças ou avisos ominosos, como no exemplo do Houaiss, «quem não for já para a cama vai haver-se comigo depois». A ideia é que vem aí reprimenda, castigo, ou alguma outra consequência desagradável. Eis mais alguns exemplos (ênfase minha em todas as citações):
Alto lá, senhor — bradou uma voz, ao mesmo tempo que uma mão vigorosa agarrava o braço de Luciano… — Que lucro tira o senhor de estar desfeiteando uma criança?... se lhe puser as mãos é comigo que tem de se haver. [Bernardo Guimarães, O Seminarista, 2012 (primeira edição de 1872)]
— Em caso algum se trucidarão os feridos e os que se renderem. Somos tropa disciplinada e não bando de malfeitores. Quem desobedecer a estas ordens terá de se haver comigo! — avisou João, de catadura turva. [José Marques Vidal,A Paixão de Araci, 2011]
Procurei terá de se haver com no Google Books, e a grande maioria dos exemplos são ameaças ou avisos. Avir-se não deve ser usado desta forma, embora se encontre quem o faça. Eis o que diz Evanildo Bechara na Moderna Gramática Portuguesa, 2012:
Avir-se é sinônimo de haver-se, no sentido 3), isto é, significa entrar em acordo com, conciliar
[…]
Erra-se frequentes vezes empregando-se, nas ameaças, avir-se por haver-se: Ele tem de se avir comigo (em lugar de se haver).
A frase terá de se avir com quase não se encontra, e é portanto bem possível que quem escreveu aquelas duas frases tenha empregue avir erradamente no lugar de haver.
O verbo avir é na verdade muito raro. Procurei neste Corpus do Português todas as ocorrências do verbo avir, em qualquer tempo e qualquer pessoa, e encontrei vinte um exemplos do século XIX e apenas três do século XX. Em dois deles, avir-se é usado no sentido de ‘entender-se, resolver discórdias’. Por exemplo em José de Alencar, O Garatuja, 2012 (primeira edição de 1873), a mãe de Miquelina diz ao genro:
Está bom, isso é lá com a Miquelina. Com ela se avenha, que eu em brigas de marido e mulher não me meto. Só lhe digo que não fui eu quem lha meti a casa, mas o senhor quem andou arrastando-lhe a asa,
Todos os outros exemplos são do tipo eles que se avenham ou ele lá se avenha. Aqui o sentido é o 3 do Houaiss, ‘adaptar-se, acomodar-se’, mas frequentemente eu diria ‘desenrascar-se’. Nalguns casos de eles lá se avenham, também é possível ler o significado ‘entendam-se’. E em todos os casos está implícito, ou por vezes explícito, arranjem-se vocês, porque eu lavo daí as minhas mãos, não quero ter nada que ver com isso, tal como deixa entender a mãe da Miquelina no Garatuja de Alencar. Este uso está bem explicado no Aulete. Alguns exemplos:
Calma, minha filha! sem calma nada se faz que preste...
E, depois de uma meiguice:
— Olhe, venha um dia à Sé, confessar-se comigo.. Sua avó encomendou-me uma missa cantada. Não pode haver melhor ocasião... Confesso-a depois da missa. Está dito?
— Mas, para quê, dindinho...
— Para quê.. é boa! para poder ajudá-la, minha afilhada...
— Ora...
— Não? pois então lá se avenham vocês dois, mas duvido muito que consigam alguma coisa Aluísio de Azevedo, O Mulato
Raimundo Silva, que justamente se encontra nos lugares da antiga cidade moura, tem, desta coincidência histórica e topográfica, uma consciência múltipla, caleidoscópica, sem dúvida graças à decisão que formalmente tomou de haverem os cruzados resolvido não auxiliar os portugueses, e, portanto, estes que se avenham como puderem, com as suas parcas forças nacionais [José Saramago, História do Cerco de Lisboa, 1989]