Não encontrei nenhum nome para esse tipo de verbos. A Gramática do Português da Gulbenkian tem trinta páginas de escrita cerrada e miudinha (1188-1218) sobre tipologia só dos verbos plenos, mas a classificação baseia-se apenas nos argumentos que o verbo seleciona — se tem ou não sujeito, complemento direto, etc. — e nas propriedades dos argumentos.
Mas não é difícil encontrar verbos com variação de significado associada ao pronome do paradigma reflexo. Encontrei dois tipos de variação: uma muito acentuada, em que os dois sentidos parecem não ter nada em comum; e verbos da chamada alternância causativa-incoativa, em que a diferença de significado é mais subtil. O que é comum a todos os casos é que o pronome ‘reflexo’ é na verdade inerente.
Comecemos com alguns exemplos das grandes diferenças. Algumas das aceções poderão ser desconhecidas no Brasil, por isso incluo uma curta explicação:
Dei bem com o João (‘encontrei, descobri com facilidade’, Priberam 28)
Dei-me bem com o João (‘relacionou-se, conviveu’, Priberam 49, 50)
A Maria passou aqui com o namorado (Priberam, 15, 19, 23)
A Maria passou-se aqui com o namorado (‘perdeu completamente a calma’, Priberam 31)
Vieram os dois juntos
Vieram-se os dois juntos (pois, coiso e tal, Priberam 22)
Estes exemplos têm a gracinha de o clítico ser a única diferença entre as frases. Se não formos tão exigente, encontramos mais exemplos:
Ela trata da criança (Priberam 6, 9)
Temos de falar: trata-se da criança (‘o assunto é a criança’, Priberam 20)
Ele saiu com uma moça engraçada (‘foi ao cinema’ ou coisa assim, Priberam 17)
Ele saiu-se com uma engraçada (‘disse inesperadamente’, Priberam 20)
Esse circo passou em Coimbra [‘esteve’, Priberam 23)
Esse circo passou-se em Coimbra [‘essa cena pouco edificante, etc. aconteceu’ Priberam 29)
Em todos estes exemplos, os verbos, tal como os verbos da tabela indicada na resposta do Artefacto, são usados intransitivamente; e o clítico é inerente. Ou seja o verbo não exprime uma ação que o sujeito exerça sobre si mesmo, como em eu visto-me, ele veste-se. Diferentemente o clítico faz parte do verbo, como em arrepender-se. (Isso confirma-se pela impossibilidade de acrescentar um a mim mesmo, a si mesmo, etc. ao verbo.) Note-se no entanto que clítico inerente não implica necessariamente que o mesmo verbo sem clítico tenha significado diferente. Por exemplo, rir e rir-se significam o mesmo.
Talvez não seja de surpreender que grandes diferenças de significado surjam com a adição do clítico apenas em verbos com clítico inerente. Se o clítico for verdadeiramente reflexo, em princípio o verbo admite complemento direto ‘normal’, mais ou menos com o mesmo significado. Na verdade é isso que acontece com mudar, o exemplo da pergunta. Imaginem que uma empresa tem residências próprias para empregados que vêm do estrangeiro:
Entre colegas no departamento de alojamento: Vamos mudar o Silva para a Av. De Roma
O Silva aos amigos: Vou ter de me mudar para a Av. de Roma
E se um verbo admite complemento direto, tipicamente será possível conjugá-lo reflexamente, mesmo quando seja materialmente impossível a sujeito exercer a ação sobre si mesmo:
É materialmente impossível um líquido beber-se a si mesmo.
Temos que mudar o óleo do carro, porque ele não se muda sozinho.
Verbos da Alternância Causativa-Incoativa
Nestes verbos a diferença de significado é bem mais subtil. Vejamos um exemplo:
(a) A Maria assustou o João = a Maria causou um susto ao João
(b) A Maria assustou-se ≠ a Maria causou um susto a si mesma
Em (b) entendemos normalmente que alguma coisa ou alguém assustou a Maria. Se quiséssemos dizer que a Maria tinha, de algum modo, causado um susto a si mesma, teríamos que acrescentar um a si mesma para evitar a interpretação normal. Ou seja, assustar em (a) significa ‘causar um susto’; em (b) significa ‘sofrer um susto’. Em bom vernáculo diríamos (a) pregar um susto e (b) apanhar um susto, mas causar e sofrer são mais gerais e aplicam-se a qualquer verbo desta categoria. Estes verbos têm duas versões, como se vê melhor no seguinte exemplo:
Transitivo, causativo: o estrondo assustou a Maria.
Intransitivo, incoativo: a Maria assustou-se (com o estrondo).
Diz-nos a Gramática do Português (p. 1210) que «a grande maioria» do verbos da alternância causativa-incoativa têm pronome do paradigma reflexo na sua versão intransitiva. Nem todos têm: o sol aqueceu a casa; a casa aqueceu. Apresento os verbos com pronome ‘reflexo’ de entre a lista da Gramática do Português:
Verbos relativos a alterações psicológicas: aborrecer (ele aborreceu-me; eu aborreci-me), afligir, assustar, comover, emocionar, enfurecer, envergonhar, escandalizar, espantar, inquietar, irritar, maçar, preocupar, ralar.
Verbos relativos a alterações físicas: abrir (o vento abriu a porta; a porta abriu-se), afundar, agoniar, curar, encharcar, encher, fechar, girar, magoar, mover, queimar.