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De acordo com o Wiktionary, as palavras “mas” e “mais” são cognatos:

From Old Portuguese mas, from Latin magis ‎(“more”), from Proto-Indo-European *meǵh₂- ‎(“great”). Cognate of mais ‎(“more”).

Como ocorreu esta derivação? Mais precisamente, eu gostaria de ver exemplos das primeiras instâncias de uso de “mais” como conjunção.

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Otavio Macedo
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    Segundo Sai Ali, a "substituição de sed, autem, por mais (depois mas), do advérbio ma(g)is, data do período pré-lusitano" (Gramática Histórica, §1099). – Artefacto Sep 01 '16 at 04:20
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    @Artefacto Sabes o quais são os períodos lusitano e pré-lusitano? – Jacinto Sep 01 '16 at 15:43

1 Answers1

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Explica o dicionário Houaiss (Lisboa, 2003) que mas vem (desabreviando as abreviaturas) do

português arcaico mais e, este, do latim magis; o valor adversativo originou-se do facto de, em muitos contextos em que se usava esta partícula, a ideia de adversativa estar implícita, do que resultou a fixação desse sentido na partícula

A palavra francesa mais (mas em português), vem também de magis, como seria de esperar. O Centre National de Ressources Textuelle et Lexicales explica que magis já havia assumido o valor de mas no latim (tradução minha):

Do sentido secundário [de magis] «de preferência, antes», nomeadamente nas construções non … sed magis [não … mas mais/antes], ac magis, magis autem […] veio o emprego adversativo (cf. primeiro na linguagem poética CÁTULO [84 – 54 a.C.], 68 30: id. … non est turpe magis miserum est [não é torpe, mais/antes miserável]; em prosa a partir de SALÚSTIO [86 – 34 a.C.], Jug., 96, 2: ab nullo repetere [sc. benficia] magis id laborare ut… [não pedia nada em troca [de favores], mas/antes fazia o que podia...]), os seus representantes românicos […] mostrando que magis tinha desde a época pré-românica assumido os empregos de sed (oposição forte) e de autem (oposição fraca);

Ainda segundo o Houaiss os primeiros registos conhecidos de mais, também grafado mays, quer no sentido de ‘mas’ quer do atual ‘mais’ são do século XIII. (Chegou-nos pouquíssimo material em português de séculos anteriores.) E encontramos imensos exemplos na poesia medieval do século XIII no Corpo Informático do Português Medieval. Também já se usava mas. O mais curioso é que mais ou mays aparecem na mesma cantiga, por vezes no mesmo verso, ora com um significado ora com outro. Eis alguns exemplos (ênfase minha; cada estrofe é de uma cantiga diferente):

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Agora o que eu gostaria era de entrar na cabeça do pessoal do século XIII para saber se os dois sentidos de mais se lhe apresentavam completamente distintos (como os de porca para nós, o diabo da porca engoliu parafuso, porca e tudo) ou se mais como os de antes ou , que nós empregamos com dois sentidos sem necessariamente nos darmos conta; ou, quando damos, detetamos uma ligação entre eles, como em:

Antes quero levantar-me mais cedo do que chegar ele antes de mim

Eles chegaram. A Maria vem bem disposta; o João vem com cara de poucos amigos

Jacinto
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    Se algum latinista puder rever a minha tradução de non est turpe magis miserum est e traduzir ab nullo repetere [sc. benficia] magis id laborare ut, a comissão agradece. – Jacinto Sep 01 '16 at 15:48
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    Your translation is correct (and +1 for your answer). Unfortunately, I can't write in Portuguese, but here is the translation in English: "he asked no-one to repay [favours], [but] rather did what he could to...". – Cerberus Sep 01 '16 at 17:55
  • @Cerberus Fantastic, I'm now going to translate it to Portuguese now. – Jacinto Sep 01 '16 at 18:03
  • Gostei. Apesar das diferenças entre o original e a tua tradução, Jacinto, os modos de escrever são quase idênticos. Digo quase porque a coluna onde é escrita o original, me parecia também o espanhol. Exemplo: verbo crer (traduzido também como acreditar, na segunda coluna) – tucasilvapontes11584 Nov 30 '16 at 18:50
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    @tucas Eu mudei o creerey para acreditar por não gostar muito/estar habituado ao futuro do verbo crer: na Idade Média devia soar melhor que agora; creerei dantes, crerei agora. Ainda por cima, no meu sotaque, crerei confunde-se com a dicção rápida de quererei. – Jacinto Nov 30 '16 at 19:18
  • Verdade. Se se pronuncia crerei de forma rápida é bem parecida à forma falada de quererei, na pronúncia portuguesa, embora existindo no Brasil, quase não a usamos. Se usamos esta forma verbal de querer, é muito raro. – tucasilvapontes11584 Nov 30 '16 at 19:35