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Com alguns verbos, eu claramente prefiro custa-me a:

(a) Custa-me a crer nisso (em vez de custa-me crer nisso)
(b) Custa-me a respirar com este calor

Com outros, prefiro simplesmente custa-me, sem o a:

(c) Custa-me dizer-lhe que não
(d) Custa-me deixá-lo sozinho

Fui ver se seria só mania minha, mas parece que há aqui mesmo qualquer coisas. Embora os números, mesmo os de Portugal, não espelhem exatamente as minha preferências, em ambos os países a propensão a usar o a é claramente maior nos verbos em que eu o usaria do que nos outros.

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          Custa-me a   Custa-me      Custa-me a   Custa-me         Custa-me a   Custa-me
crer          227         71             131        237               24/19*     22/6*
respirar       35         50              17         23               21         10
dizer          13        140               1        117                3         13
deixar          1         78               2         32                3         10

* Nota: 19 contra 6 se excluirmos gramáticas; parece que todas elas usaram o verbo “crer” 
para ilustrar estas regências de “custar”.

Ao que parece eu falo à Machado de Assis:

Eu sei? custa-me a crer no amor.
Machado de Assis, Contos Fluminenses

Custa-me dizer isto, mas antes peque por excessivo que por diminuto.
Machado de Assis, Dom Casmurro

Atualização. Edite Prada no Ciberdúvdas reconhece estas duas regências, dizendo que “[o] uso ou não da preposição parece estar relacionado com o verbo que ocorre na frase infinitiva e com as suas características lexicais”, o que não nos diz muito.

A questão então é: porque é que tendemos a usar este a mais com uns verbos do que com outros? Que propriedades do verbo favorece o uso do a? Que faz o a neste tipo de frases?

Jacinto
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  • Eu talvez só usa-se o a no primeiro exemplo. E "Custa-me a dizer-lhe que não" não me parece nada gramatical... Uma boa pergunta! – Jorge B. Nov 03 '16 at 15:22
  • @JorgeB. Também não digo custa-me a dizer; mas custa-me crer soa-me ainda pior. – Jacinto Nov 03 '16 at 17:46
  • A forma recomendada por gramáticos é "custa-me crer", e "custa-me a crer" é dita ser aceitável. Já "eu custo a crer" é certamente errado. Eu diria que "custa-me a crer" tornou-se idiomático e, por esse motivo, passou a ser considerado aceitável por gramáticos. Eu, pessoalmente, digo "custa-me a crer" e acredito ser a forma mais prevalente em pt-BR. Mas ouço muita gente dizer "eu custo a crer" e "eu custo a acreditar" e acredito que esse uso de custar não tenha o significado de "ter um preço" e sim "demorar", i.e., "levo tempo para acreditar". É a forma como entendo, não é uma resposta. – Centaurus Nov 03 '16 at 22:59
  • @Centaurus Ainda bem que custa-me a crer é a forma prevalente no Brasil também. Custa-me crer não me soa nada bem. Parece-me até que o 3-a-1 para o custa-me a crer em Portugal é pouco. Os melhores autores escreveram custa-me a crer, Machado de Assis, José de Alencar, etc. Que gramáticos é que recomendam custa-me crer? Se nós usamos o *a* com uns verbos e não com outros, o *a* deve desempenhar uma função expressiva qualquer. – Jacinto Nov 04 '16 at 17:33
  • Acho que "custa-me crer", da forma como eu pronunciaria soa como um cacófato: "custa mecrer", embora não exista a palavra "mecrer". Acho que o "a" serve para formar um hiato. Calma, eu disse acho. – Centaurus Nov 04 '16 at 21:46
  • @Centaurus Eu também pronunciaria como custa mecrer, mas custa-me a crer, pronuncio como custa macrer, que não me parece melhorar grande coisa. – Jacinto Nov 05 '16 at 10:45

1 Answers1

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De fato, é curioso. Em tese, o que está em questão é a regência de custar; os outros verbos não deveriam em absoluto influenciar o uso da preposição. Mas se os dados que você coloca têm alguma relevância estatística, parece que influenciam. Mais em Portugal, aparentemente, onde "custa-me a crer" é inclusive majoritário.

Essa diferença entre Brasil e Portugal talvez tenha a ver com uma tendência maior do português do Brasil a elidir partículas. Mas não me ocorre nenhuma explicação razoável para a diferença entre "crer" e os outros verbos, a não ser uma talvez improvável analogia com "acreditar":

Custa-me acreditar

Talvez percebido como

Custa-me a creditar

Donde

Custa-me a creditar => Custa-me a crer

Mas é puro chute.

ANeves
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Luís Henrique
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  • É capaz de ser um bom chute... Mas agora é preciso provar ;) – Jorge B. Nov 03 '16 at 16:13
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    Eu uso a preposição *a* mesmo com acreditar. No meu sotaque a pronúncia de me acreditar é diferente da de me a acreditar: /m*ɐkɾɨdi’taɾ/ versus /ma*kɾɨdi’taɾ/. – Jacinto Nov 03 '16 at 17:27
  • @Jacinto - então não deve ser. Outra coisa que me ocorre é que crer e respirar são (ou podem ser) intransitivos, enquanto dizer e deixar exigem complemento. Será mais natural dizer custa-me a crer! do que custa-me a crer no milagre da transubstanciação? – Luís Henrique Nov 03 '16 at 17:34
  • Talvez, mas «custa-me a crer no amor» (Machado de Assis), «Custa-me a crer que um homem se case» (idem), «custa-me a crer em tamanha felicidade» (Bernardo Guimarães), «custa-me a crer taes boatos» (Revista do IHGRGS). – Jacinto Nov 03 '16 at 17:44
  • @Jacinto não sei se percebeste mas é "a creditar" e não "a acreditar"... Ou eu é que percebi mal... – Jorge B. Nov 03 '16 at 22:14
  • Pois é curioso. Custa-me a crer parece-me bem, mas custa-me muito a crer nisso já me parece um pouco estranho (parece-me melhor custa-me muito crer nisso). O dicionário de regências de Francisco Fernandes diz que o bom uso manda a omissão de a mas que exemplos com a se encontram nos melhores escritores. A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira manda-nos para Factos da Linguagem de Heráclito Graça (dificil de encontrar em Portugal) e Problemas da linguagem de Cândido de Figueiredo (que está na biblioteca da FLUL por exemplo). – Artefacto Nov 06 '16 at 01:39