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Estava eu a almoçar e ouço a seguinte conversa:

—Compra esse tacho e experimenta, se for bom eu depois compro também. Ou queres para eu comprar?

Isto no sentido de Ou queres que eu compre? [E experimento eu.]. De referir que o falante é de São Tomé e Príncipe.

ANeves
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Jorge B.
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  • Eu não sei se é gramatical ou não, mas tenho amigos nordestinos (brasileiros) que falam algo semelhante: "quer para eu comprar?" (o uso da 2ª pessoa não é comum por estas bandas) – Ramon Melo Feb 03 '17 at 16:26
  • Não é gramatical em português Ibérico ou brasileiro "normal". São Tomé e Príncipe é como Cabe Verde e os Açores, nessas ilhas se falam dialetos do português e também existe o nível de escolaridade do falante. Neste caso, me parece que poderia ser o nível de escolaridade. Comparando com o resto do trecho, acho que dar para julgá-lo assim. – Lambie Feb 03 '17 at 18:01
  • @Lambie a pessoa em causa tem graduação superior, acho que esse caso não se aplica. Eu fiquei na dúvida se é erro regional ou se é aceite como gramatical. – Jorge B. Feb 03 '17 at 19:17
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    Parecia mas nao estava. O verbo querer está conjugado na primeira pessoa do singular, formando um predicado válido. Dando uma segunda olhada se calhar até diria que é uma frase válida, por isso é mesmo melhor que alguém de uma resposta que nao eu. – Bruno Costa Feb 03 '17 at 19:52
  • Que eu saiba, "querer para" não é uma forma corrente em português. Queres que [eu va] para comprar, até daria. É possível também que fosse um desses erros que a gente faz falando. As vezes sai um troço sem querer. Isso é uma das carasterísticas de linguagem falada . Fica uma o outra coisinha meia esquisita. Nunca aconteceu isso com vocês?? :) Comigo acontece o tempo todo. Talvez o /eu va/ficou escamoteado. – Lambie Feb 03 '17 at 21:39
  • Talvez seja um regionalismo. Em uma resposta deletada alguém disse que é gramatical em Angola. No Brasil, como citado, não faz sentido. Mas nós todos sabemos que a língua portuguesa não é falada só no Brasil e em Portugal. – Centaurus Feb 03 '17 at 22:27
  • @Centaurus mas não há concordâncias que têm de ser respeitadas? Na resposta, que passei para comentário, disse que está correcto mas sem nenhuma fonte. – Jorge B. Feb 04 '17 at 01:25
  • Em Angola, a expressão "queres para eu comprar?" está correcta. – An. Jorge Feb 03 '17 at 15:26
  • @Lambie isso também tenho a certeza que não, a pessoa em causa diz isso com frequência. Até foi por isso que vim perguntar, porque me mete muita impressão. – Jorge B. Feb 04 '17 at 01:29
  • @JorgeB As possibilidades estão minorando-se: ou ele simplesmente não sabe suster o discurso ou vem encima de alguma estrutura usada na ilha. :) Eu traduzi uns tempos atrás vários documentos do país, todos em um portugues de Portugal bem bonitinho tanto que me entrego. Já não sei mesmo. :) – Lambie Feb 04 '17 at 15:09
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    Gente, não sendo falante nativo eu estou interessado nessa pergunta mas ainda não tenho claro. Eu só posso dizer que eu entendi a expressão sem precisar explicação e a verdade é que soa natural, paralela à estrutura de (por exemplo) Ela disse para eu comprar. Fora isso, se os falantes usam uma forma de discurso consistentemente, então a forma é gramatical, não é? – pablodf76 Feb 06 '17 at 14:44
  • Eu acho que o tag deveria ser "português-africano" ou mesmo "português-santomense" (África é muito grande); afinal os tags correspondentes são "português-europeu/brasileiro", não "dialeto..." E não podes pedir para a pessoa vir aqui responder. – Jacinto Feb 06 '17 at 22:56
  • @Jacinto se a pessoa soubesse responder a isso eu já lhe tinha dito, ele até tem conta num dos sites. – Jorge B. Feb 07 '17 at 09:13
  • Não sabe dizer se esse tipo de frase é comum em São Tomé? – Jacinto Feb 07 '17 at 10:21

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A frase não é gramatical na língua padrão em Portugal e pelos vistos no Brasil também não. De acordo com a Gramática do Português da Gulbenkian (Lisboa, 2013, vol. II, p. 1927-34), existem vários verbos que admitem complementos diretos oracionais infinitivos (como o da frase em questão), mas introduzidos por para, só mesmo os verbos diretivos, como dizer, implorar, insistir e pedir; nesse caso o infinitivo é flexionado. Exemplos meus:

Ele pede para eu comprar um tacho? [= que eu come um tacho.]

Ela disse para tu comprares um tacho. [= que tu compres um tacho.]

Os verbos dizer, pedir e querer pedem um complemento direto: dizer/pedir/querer algo. Nestes exemplos o complemento direto, a itálico, é uma oração com o verbo no infinitivo; daí a Gramática lhe chamar “complemento direto oracional infinitivo”.

O verbo querer admite complemento direto oracional infinitivo (não flexionado), mas não introduzido por para, como em (exemplos da Gramática, p. 1933-4):

(93) a. Os professores querem/desejam negociar um salário melhor.

[…]

(94) a. O cozinheiro quer ser ele a decorar a travessa.

A Gramatica do Português é uma gramática descritiva baseada primeiramente no português europeu. É fácil de ver que estas conclusões se aplicam também à língua escrita no Brasil. Procurei no Corpus do Português e encontro na literatura e imprensa brasileiras, tal como nas portuguesas, exemplos destes complementos diretos oracionais infinitivos introduzidos por para com verbos diretivos; nas não encontrei nem um com querer. (Procurei “[querer] para eu”, que busca todas as flexões de querer, e repeti com tu, ele, você, etc.) Agora, isto não elimina a possibilidade de esta estrutura com querer ser aceitável, pelo menos coloquialmente, em São Tomé ou outros países.

Jacinto
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Só seria aceitável se o significado fosse: Queres o tacho que eu pago? De outra forma o correto no contexto seria "Queres que compre para experimentar?"

FrozenButcher
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