“Tardo mas não falho” existe e quer dizer que eu demoro mas acabo por chegar ou por fazer o que disse que faria. “Tardo mas não ardo” existe pelo menos no teu meio, mas parece ser muito raro em geral: encontrei no Google Search uma única ocorrência independente da tua pergunta.
Andei a vasculhar a Hemeroteca Digital Brasileira, que reúne o texto integral de centenas de periódicos brasileiros ao longo dos últimos dois séculos, e tudo isso parece vir do provérbio, “Deus tarda mas não falta”, que já vem do século XIX. Mais tarde é que aparece “Deus tarda mas não falha”. Só mais recentemente é que encontro, e muito raramente, “eu tardo mas não falho”; mas é frequente no Google Search. O provérbio original praticamente nem precisa de explicação. Na cultura cristã acredita-se que, se Deus permite por enquanto grassar a injustiça no mundo, a justiça divina há de por fim prevalecer. A versão pessoal “eu tardo mas não falho” é mera analogia.
“Deus tarda mas não falta” aparece pela primeira vez na Hemeroteca em 1831 (O Universal, 16-2-1831), e em 1845 é descrito como “provérbio” (grafia original e negrito meu em todas as citações):
Possam exemplos taes fazer arripiar na carreira do crime tantas auctoridades, que parecem ter em nada os direitos e as garantias individuaes. Estremeçam ellas contemplando sua obra ; tarde ou cedo, o remedio apparecerá; reflictam no proverbio—Deus tarda, mas não falta.—
“Noticias Proviciaes”, Sentinella da Monarchia, Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1845, p. 3.
Aparece com muita frequência a partir de 1860, mas dado que a imprensa brasileira cresceu imenso ao longo do século, isso não quer dizer que o provérbio fosse antes menos popular.
“Deus tarda mas não falha” aparece pela primeira na Hemeroteca em 1862 (Jornal do Commercio, RJ, 30-1-1862). Entretanto, começa a ver-se “a justiça de Deus tarda mas não falha” (Correio Paulistano, 20-12-1873). Em 1882 temos , simplesmente “a justiça tarda mas não falha” (Constituição, 19-2-1882), que em 1885 é descrito como “adágio”:
Tudo é inutil porém : — a justiça tarda, mas não falha, diz o adagio popular
“Chronica”, O Cearense, Fortaleza, 12 de março de 1885, p. 2.
Entretanto também se começou a ver “quando Deus tarda, vem no caminho” (Correio da Tarde, 20-5-1860).
Todas estas versões continuam frequentes ao longo do século XX. Pelo contrário, a versão pessoal, “tardo mas não falho”, só se encontra duas vezes na Hemeroteca, a primeira em 1960, e por comparação com Deus:
“Eminência, eu sou como a Providência Divina: tardo mas não falho”.
“O Reitor, ou a ciência de sobreviver a crises”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1966, caderno B, p. 5.
TARDO, mas não falho. A voz do povo sempre foi a voz de Deus […]
“Tardo, mas não falho”, O Fluminense, 7 de janeiro de 1983, p. 20.
“Tardo mas não ardo” não aparece na Hemeroteca nem no Google Books. Mesmo no Google Search geral há uma única ocorrência, ao contrário de “tardo mas não falho” que é frequente. Portanto, claramente isto começou com “Deus tarda mas não falta/falha”, que faz perfeito sentido na cultura cristã. A versão pessoal surge mais tarde. “Eu tardo mas não ardo”, como sugerido pelo Peixoto (no comentário à pergunta), poderá até ter surgido por brincadeira e por rimar. É claro que a rima teria de esperar pela primeira pessoa, porque nas outras não funciona—tarda, arde; tardas, ardes, etc. Poderá também ter havido influência da frase “tardo mas ardo” em O Pombo Enigmático de Paulo Mendes Campos (1922-1991).