(Pessoal, há tempo que acompanho o Portuguese Stack Exchange — e absolutamente o adoro —, mas esta é a minha primeira resposta aqui, então ainda estou me habituando. Queria comentar algumas coisas à parte na pergunta original, mas ainda não tenho pontuação suficiente para isso. :( Se, de algum modo, esta minha resposta fugir ao propósito, avisem-me para que eu possa aprender e editar. Obrigado!)
Bem, este tópico de vogais e ditongos nasais é um dos meus prediletos sobre a fonologia da língua, então vou tentar dar a minha contribuição aqui. Para as transcrições fonéticas aqui na resposta, vou ignorar o [ŋ] alofônico que você usou no seu texto original e usar as transcrições fonêmicas gerais para simplificar. Há muita variação na real pronúncia das vogais nasais na língua portuguesa e não é o foco da pergunta, mas imagino que, se de fato há um [ŋ] alofônico nas suas vogais nasais, você deva ser de algum estado do Sul/Sudeste. Sou baiano e posso te garantir que as nossas vogais aqui são absolutamente nasais por si só, normalmente sem nenhum apoio de consoantes nasais — para falar a verdade, os dialetos nordestinos são conhecidos por ser é "exageradamente" nasalizados na sua alofonia, hahaha. Também acho improvável que o seu /ɐ̃/ seja realmente [ɐ̃] — que acredito que seja de fato a pronúncia usada pelos portugueses e a diferença é bem clara para mim; nós, brasileiros, normalmente variamos entre algo como [ə̃]~[ɜ̃]~[ɜ] (sim, esta última possibilidade desnasalizada, algo bem característico dos sotaques paulistas e sulistas, por exemplo).
A resposta curta e direta à sua pergunta é que, sim, "falam" e "gostam" se pronunciam como "fálão" (/ˈfa.lɐ̃w̃/) e "góstão" (/ˈgɔs.tɐ̃w̃/) — e não como um erro ou possibilidade dialetal; essas são as pronúncias corretas dessas palavras —; durante toda a minha vida, nunca vi um nativo pronunciá-las de outra forma (por exemplo, como /ˈfa.lɐ̃/ e /ˈgɔs.tɐ̃/, como proposto). Na ortografia da língua, o dígrafo "am" só representa a vogal nasal /ɐ̃/ isolada quando não se encontra no fim de palavra; nessa posição, sempre representa o ditongo nasal /ɐ̃w̃/ (e é sempre conjugação de terceira pessoa do plural de verbo!), tendo, portanto, o mesmo valor fonêmico que o dígrafo "ão". (Também em nenhum dos casos a consoante M é de fato pronunciada como /m/, exceto em alguns dialetos como um apoio alofônico, já que é sempre seguida de uma outra consoante bilabial e a nasalidade da vogal pode gerar um "resquício de M" (por exemplo, "tambor": /tɐ̃.ˈboʁ/ -> [tɜ̃.ˈboɾ] -> [tɜ̃ᵐ.ˈboɾ]).) O dígrafo "an", por sua vez, é que sempre representa a vogal nasal /ɐ̃/ pura, independentemente da posição em que esteja na palavra; porém, acredito que seja muito raro no fim de palavras — tive de pesquisar aqui, pois não me lembrava de cabeça, e só achei palavras importadas, como "slogan" e o nome "Jean" (que também foi importado do francês). Portanto, fora essas poucas palavras terminadas em "an", a única forma de representar a vogal nasal /ɐ̃/ no fim de uma palavra é com "ã", como em "pagã".
E aí isso nos leva à sua outra pergunta: Por que houve, então, a mudança ortográfica? Bem, eu pessoalmente não tenho essa resposta (acabei de ver que o Jacinto já cobriu essa parte), mas o que sei é que, atualmente, na língua, além da função de nasalizar as vogais A e O, o til também possui uma função secundária de indicar a tonicidade da palavra, exceto se houver um acento, caso no qual tal acento detém a primazia tônica e o til passa a indicar apenas a nasalidade da vogal ou ditongo em questão ("ímã", "órfã(o)", "Estêvão", "bênção", etc.). Logo, hoje em dia escrevem-se as conjugações de terceira pessoa do plural com "am" porque, se se escrevessem com "ão", precisaríamos dum acento extra para indicar a tonicidade da sílaba predecessora, como estamos usando aqui para indicar a pronúncia: "fálão", "góstão". Não conheço a gramática em torno de 1871, mas imagino, então, que à época o til fosse um indicador apenas de nasalidade e a tonicidade fosse determinada por algum outro conjunto de regras ortográficas (que não pude inferir apenas pela ortografia das palavras que você usou de exemplo).
O dígrafo "am" não é o único dígrafo nasal da língua que deixa de ser dígrafo e passa a representar de fato um ditongo quando vem na última sílaba duma palavra. O mesmo ocorre com o dígrafo "em", que, normalmente, representa a vogal nasal /ẽ/, mas que passa a representar o ditongo nasal /ẽj̃/ no fim de palavras (/ɐ̃j̃/ em parte do português europeu, mesclando-se, portanto, com o ditongo representado por "ãe"): "bem" não é pronunciado em nenhum dialeto como /bẽ/, mas sim como /bẽj̃/ no Brasil e /bɐ̃j̃/ em parte de Portugal. Aliás, a vogal nasal /ẽ/ comporta-se ainda de modo mais peculiar que a vogal nasal /ɐ̃/; enquanto /ɐ̃/ é possível no fim de palavras tanto com o til em "ã" quanto com o dígrafo "an" (vá lá: salvo engano, apenas em palavras importadas, mas que, uma vez dicionarizadas, já fazem parte do nosso idioma oficialmente), /ẽ/ é oficialmente impossível de aparecer no fim de palavras. Não que não o consigamos produzir fisicamente, mas não há palavras oficiais em que isso ocorra; a combinação "en" no fim de palavras produz igualmente o ditongo nasal /ẽj̃/ no Brasil e, excepcionalmente, /ɛn/ em Portugal (o que acho interessantíssimo, já que a nossa língua normalmente não possui consoantes nasais pronunciadas no fim de sílabas, sendo elas apenas uma forma de nasalizar a vogal precedente): "abdômen", /ab.'do.mẽj̃/ ([äb̚.'do.mẽj̃]~[äbi.'dõ.mẽj̃], etc.), no Brasil e "abdómen", /ɐb.ˈdɔ.mɛn/ ([ɐβ.ˈðɔ.mɛn]), em Portugal. Bem, fica aqui a observação de que essa grande revolução fonológica que seria a possibilidade de haver /ẽ/ no fim de palavras reside nas mãos dos nossos grandes lexicógrafos, pois marginalmente isso já acontece: basta que um dicionário oficialize as gírias, ubiquamente utilizadas no Brasil, "man" ou "men" (pronunciadas como /mẽ/) ou mesmo o vocativo "nem" (/nẽ/), absolutamente comum aqui na Bahia e altamente irritante ("ô, neeeeem, vem cá"), e teremos oficialmente estendido as possibilidades fonológicas da nossa língua. ;)
(Enquanto escrevia esta resposta, descobri que, em Portugal, utilizam "íman" em vez de "ímã" e, à semelhança do fenômeno que descrevi de palavras como "abdômen/abdómen", "sêmen/sémen"..., essa palavra é pronunciada não com /ɐ̃/ no fim (/ˈi.mɐ̃/), mas com a sequência /ɐn/ (/ˈi.mɐn/), o que configura uma outra exceção à não pronunciação natural do /n/ no fim de sílabas na nossa língua. Que da hora! Aparentemente o mesmo é feito com a palavra "slogan", por exemplo (ou quase o mesmo, já que, segundo a Infopédia, seria com /a/ aberto mesmo: /ˈsloɡan/). Pergunto-me se também é assim que se pronuncia "Jean" por lá. Algum português pode esclarecer-me?)
Ainda nessa questão de dígrafos nasais que deixam de ser dígrafos no fim de palavras, o dígrafo "om", que normalmente representa a vogal nasal /õ/, também pode representar — porém aqui marginalmente e com muita variação entre os dialetos — o ditongo /õw̃/ ("bom": [bõ]~[bõw̃]). Acredito que teoricamente também seja possível acontecer o mesmo com os dígrafos "im" e "um", mas a inserção da semivogal necessária à formação do ditongo meio que seria redundante em relação à sua vogal correspondente, imagino (por exemplo: "assim" como [a.ˈsĩ]~[a.ˈsĩj̃] e "atum" como [a.ˈtũ]~[a.ˈtũw̃]). Até porque normalmente a tendência, pelo menos no Brasil, é deletar a semivogal em contextos assim e não inserir uma ("contínuo": /kõ.ˈti.nu.u/ -> [kõ.ˈt͡ʃi.nwu]~[kõ.ˈt͡ʃi.nu]).
Portanto, a diferença que o ANeves diz que não consegue perceber entre "ão" e "am" e sobre a qual o Schilive está aqui perguntando seria, teoricamente, a diferença entre o ditongo /ɐ̃w̃/ (como em "pão") e a vogal pura /ɐ̃/ (como em "tampa"); porém, no fim de palavras, essa diferença deixa de existir e "am" passa a assumir a pronúncia do ditongo /ɐ̃w̃/ também, sendo utilizado no lugar de "ão" apenas por uma questão de tonicidade. É por isso que muitos cometem o erro de escrever "falam" como "falão", por exemplo, pois todo nativo consegue perceber intuitivamente o ditongo na pronúncia dessa palavra, errando apenas por não conhecer as regras ortográficas em questão e não perceber que "falão" seria pronunciada como oxítona (normalmente nativos cometem erros de ortografia por desconhecer alguma regra específica de escrita, mas escrevendo pelo julgamento auditivo — ironicamente preciso, muitas vezes — que fazem da palavra). Do mesmo modo, portanto, as conjugações de terceira pessoa do plural do pretérito perfeito e do futuro do presente possuem exatamente os mesmos sons, diferenciando-se apenas em relação à sílaba tônica — por exemplo: "gostaram" (/gos.'ta.ɾɐ̃w̃/) e "gostarão" (/gos.ta.'ɾɐ̃w̃/. Aqui de modo geral e particularmente no Brasil, pois imagino que em Portugal sejam, estritamente, diferentes, por causa do primeiro A, que se torna átono, em "gostarão": /guʃ.'ta.ɾɐ̃w̃/ e /guʃ.tɐ.'ɾɐ̃w̃/, respectivamente).
Por tudo que expus, sim, é extremamente não natural pronunciar "falam" como /ˈfa.lɐ̃/, que seria a pronúncia de uma hipotética palavra "fálã". Você mencionou que, no seu dialeto, as duas pronúncias coexistem e eu fiquei curioso, Schilive, pois acho extremamente improvável que /ˈfa.lɐ̃/ de fato seja possível. De onde você é? Haha. Pergunto porque isso me lembra uma coisa curiosa que percebi há um tempo por alguns vídeos: nos chamados "sotaques colonos" do Rio Grande do Sul, notei que algumas pessoas pronunciavam "não" como algo como "nõ" (aparentemente reduzindo o ditongo "ão" a apenas "õ"). Essa percepção foi-me confirmada por um conhecido da região, que me afirmou que isso de fato ocorre, mas não cheguei a tentar fazer uma análise fonética mais aprofundada. Imagino que seja possível que o que ocorra seja o seguinte: /nɐ̃w̃/ -> [nɜ̃ʊ̃]~[nə̃ʊ̃] -> [nʊ̃]. Pelo mesmo processo, "falam" poderia tornar-se [ˈfa.lʊ̃] e isso poderia ser interpretado de diferentes formas — para mim poderia soar como "fálõ", mas, para você, "fálã". É uma hipótese só! =)
Espero ter contribuído com a minha primeira resposta aqui no site e desculpem-me se me estendi demais!