Fulano foi convencido = ’foi provado que fulano é culpado’
Convencido de ignorante é no mínimo muito incomum e um arcaísmo. Poderá ter sido influência desta tradução espanhola de 1930, que usa precisamente essas palavras; este tipo de construção parece ser comum no espanhol.
Mas em português, do que vi nos dicionários e literatura, o normal seria convencido de ignorância ou convencido de ser ignorante. Mas isto induziria em erro o leitor atual: qualquer um pensaria que o Manés ficou persuadido de que era ignorante. Mas nas Confissões o verbo convencer é usado no sentido do inglês convict, sentido que caiu em desuso entre nós e que só se encontra em dicionários antigos, como no Raphael Bluteau (1712), Domingos Vieira (1873) ou no verbete original do Aulete:
[…] Convencer de 1. provar que é culpado de: O juiz convenceu-o de furto.
Então o que a passagem diz é que os que conhecem bem aquelas coisas provaram que o Manés era “culpado de ignorância”.
Encontra-se esta uso de convencer na literatura e imprensa do passado; a tentação de interpretar convencido como ’persuadido’ pode ser muito forte, mas clicando e lendo o contexto, verão que o significado é ’provado que é culpado’: “convencido de adultério” (Gazeta Jurídica, Rio de Janeiro, 1877), “homens convencidos de indiscrição” (Machado de Assis, 1891); “convencido de um momento de infidelidade” (Joaquim Manuel de Macedo, 1845); e encontramos esta linguagem numa lei ainda em vigor no estado de São Paulo (obrigado ao Loremlpsum, que ma trouxe à atenção), que pune com demissão o funcionário que “for convencido de incontinência pública e escandalosa”.
Interpretação das Confissões
Podemos confirmar que é esta a interpretação correta de convencido olhando o original em latim lado a lado com uma tradução em inglês de 1631:
[…] convictus ab eis, que ista vere didicissent
[…] confuted by those who had learned the truth of these things
Ora confute somebody (Oxford Learners Dictionary) significa ’provar que esse alguém está errado’. E o convictus do latim original é o particípio passado de convincere, que segundo o Etymoline entre outras coisas significava “convict of crime or error”, ou ’dar por provado que cometeu crime ou erro’. ; o dicionário de latim de Lewis e Short acrescenta “refute”, que partilha o significado de ’refutar’, entre outros, ’anular afirmações ou julgamentos de outrem de maneira categórica’ (Michaelis 4). Então em português, e para evitar a confusão do arcaísmo convencer, poderíamos dizer:
Manés […] falou tanto dessas coisas, que, provada a sua ignorância pelos que as conhecem bem […]
ou simplesmente
Manés […] falou tanto dessas coisas, que, refutado pelos que as conhecem bem […]
Isto faz sentido no contexto geral. Começando no livro V, capítulo III (têm aqui esta tradução em português; não consegui encontrar a citada na pergunta), Santo Agostinho diz que comparou os ensinamentos de Manés sobre coisas terrenas (movimentos dos astros, eclipses e coisas assim) com os dos antigos filósofos, e concluiu que Manés está errado. Então é isto que ele quer dizer com “convictus” ou refutado pelos que as conhecem bem [essas coisas]”: os antigos filósofos (na verdade, os seus ensinamentos) provaram que Manés estava errado. E se ele estava errado acerca de coisas terrenas quanto mais não estaria acerca de coisas mais complexas, divinas. Note-se que não há nas Confissões qualquer sugestão que o Manés tenha reconhecido os seus erros, ou que ele tenha sequer dado atenção aos ensinamentos dos filósofos. Logo o sentido que nos é familiar de convencer (’persuadir’) não se aplica ali.