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Algumas conjugações da segunda pessoa do plural (vós) terminam em -des, como pondes, tendes, vedes. Inclusive o infinitivo pessoal («para vós fazerdes») e futuro do subjuntivo («se fizerdes»). Ademais, algumas conjugações que, senão na segunda pessoal do plural, têm a, na segunda pessoal do plural, têm e: veria, verias, veríamos, mas veríeis.

Por que não seguem a regra e são teins, pões/põis, veis, fazêreis, fizéreis, e veríais, mataríais, etc.?

Schilive
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O d de vós vedes, pondes, etc. é hoje exceção, mas foi a regra no português antigo. Só que, como explica a Gramática Histórica da Lingua Portuguesa de Manuel Said Ali (1931, p. 139-40), na maioria dos verbos esse d caiu. Exemplificando:

              latim           português antigo         português atual
vós:       amatis               amades                         amais
vós:       habetis              havedes                        haveis
vós:       dormitis            dormides                      dormis

Explica Said Ali que esta desinência -des (e -de no imperativo) se usava ainda no século XIV. Ora o que anconteceu foi que nalguns verbos o d resistiu. São eles: vós credes, ledes, vedes, ides, rides, pondes, tendes, vindes.

Diz Said Ali que o n de pondes, tendes e vindes é um “vestígio da consoante nasal dos radicais primitivos”. Por exemplo, o latin ponere deu no português antigo põer (→poerpôr): com a desinência -des, deu pondes; do mesmo modo (teneretẽerteerter; venire*vẽirvĩirvĩrvir; Said Ali, p. 171)

Estas exceções formam um padrão: são todos verbos monosilábicos (no infinitivo). E são quase todos os monosilábicos. Destes, só perderam o d o dar (vós dais) e o ser (vós sois), que ainda assim o manteve no imperativo (sede).

A desinência -des ficou intacta de regra no futuro do subjuntivo/conjuntivo (se vós fizerdes, souberdes) e no infinitivo pessoal (para vós fazerdes, saberdes); na maior parte dos verbos os dois tempos são iguais (se/para vós comerdes). Said Ali diz que mesmo nestes tempos houve alguma tendência para o d cair (encontam-se exemplos na literatura), e que a sua manuntenção definitiva se deve “naturalmene á necessidade ou conveniência, no tratamento cerimonioso, de diversificar a 2.ª do plural da 2.ª do singular”. É que o d é a única diferença entra as duas: souberes, souberdes; saberes, saberdes.

Ora este argumento aplica-se com igual força nalguns casos do presente do indicativo e imperativo. Caindo o d em vós rides, acabaria por dar vós ris, igual a tu ris. O mesmo com vós pondes: a pronúncia é /põdis/ ou, no português europeu atual, /põdɨs/; caindo o d ficaria igual a pões. Creio que o mesmo aconteceria com vós tendes e tu tens, pois tens é normalmente pronunciado como ditongo /tẽjs/ ou /tẽjʃ/. Nos outros casos, o plural e o singular não ficariam iguais, mas na maior parte deles ficariam muito parecidos: veis e vês, creis e crês. Se foi a necessidade de diferenciar suficientemente as formas que segurou o d também nestes casos, eu não sei. Onde não haveria necessidade nenhuma seria no ides: is, que não vingou mas está atestado, não se confundiria nunca com vais.

Condicional/futuro do pretérito: veríeis, havíeis, etc.

Esta terminação -íeis é a regra. Na língua atual. No português antigo, a terminação era -íades; com a queda do d, as vogais alteraram-se e passaram a -íeis.

Said Ali (p. 156) explica que nas línguas românicas o futuro simples do latim foi substituído por uma aglutinação do infinitivo ao presente do indicativo ne haver na sua forma contraída (sem o av): comerei = comer + hei, comeremos = comer + hemos de havemos. Do mesmo modo, o condicional (terminologia em Portugal) ou futuro do pretérito (Brasil) formou-se do infinitivo acrescido do imperfeito do indicativo de haver também na sua forma contraída: comeria = comer + hia de havia. Ora no português antigo o imperfeito do pretérito de haver era havíades, que deu no pretérito do futuro formas como comeríades, beberíades, etc. Com a queda do d, passaram a comeríeis, beberíeis, etc. Exceções, mas não nas terminações, que são sempre as mesmas, são so verbos dizer, fazer e trazer (no passado, também jazer), que perdem o -ze: eu farei, vós fareis, eu faria, vós faríeis.

Jacinto
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  • Obrigado pela resposta. Interessante que havia "ris" e "is" na segunda pessoa do plural, e também que "vedes", "credes", "ledes" e "rides" vieram de "veer", "creer", "leer" e "riir". O verbo "ir" já é mais complexo. Obrigado de novo. – Schilive Sep 14 '21 at 01:45
  • @Schilive, sempre às ordens. No tempo de veer tinhas veedes. Basicamente, no latim era videre, vos videtisveer, veedes (caiu o d e o t passou a d) → ver, vedes; do mesmo modo ridere, vos ridetisriir, riidesrir, rides, etc. A literatura medieval está cheia de veedes, creedes; só encontrei um riides; também há seedes, muito menos comum que sodes (→ sois). – Jacinto Sep 14 '21 at 07:37
  • Acho interessante que em galego, a língua falada na Galiza (no Noroeste da Península Ibérica), esses tempos continuam a ser como no português antigo em quase todos os verbos, sem tirar o "d". – O' Bieito Sep 15 '21 at 10:02
  • @O'Bieito, não sabia. Como ficou nos verbos em que o d caiu? Isto no português foi. curioso. Passar o t intervocálico a d foi comum. Cair o d intervocálico latino também aconteceu (sair, cair, ver, crer). Mas acontecer um coisa em cima da outra, passar o t a d, e depois esse d cair, acho que só mesmo nas terminações verbais. – Jacinto Sep 15 '21 at 11:30
  • Pois @Jacinto, acho que na maioria dos verbos nos que posso pensar é mesmo assim, vedes, credes, ledes, rides... sodes, tedes, podedes, queredes, estades, amades, ides, mirades... Mas na verdade nao conheço a evoluiçao dos mesmos... – O' Bieito Sep 15 '21 at 14:04
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    @O'Bieito e Jacinto. Podeis ver a conjugação no Wiktionary, como https://en.wiktionary.org/wiki/ver#Galician ou https://en.wiktionary.org/wiki/crer#Galician. Imagino que a evolução de "vedes" tenha sido videtis (latim) > veedes (g.-p.) > vedes (g.-p.), tanto que vedes aparece em textos antigos considerados em galego-português, no século XII; "credes" aparece em 1 texto do século XV, mas "creedes" aparece apenas em oito, então é possível "credes" já ter existido antes. Ou seja, aparentemente, o galego parou de evoluir em relação à segunda pessoa do plural e o português continuou, tirando dd. – Schilive Sep 15 '21 at 20:37
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" Porque não seguem a regra? "
Existe uma regra a respeito?

Vejamos alguns verbos da segunda conjugação no futuro do pretérito:

  • veria, verias, veria, veríamos, veríeis, veriam
  • poderia, poderias, poderia, poderíamos, poderíeis, poderiam
  • reveria, reverias, reveria, reveríamos, reveríeis, reveriam
  • leria, lerias, leria, leríamos, leríeis, leriam
  • precaveria, precaverias, precaveria, precaveríamos, precaveríeis, precaveriam
  • teceria, tecerias, teceria, teceríamos, teceríeis, teceriam
  • regeria, regerias, regeria, regeríamos, regeríeis, regeriam

Não parece haver uma regra onde a segunda pessoa do plural teria a terminação "ais"

A regra existente é que pelo verbo ver, conjugamos seus derivados antever, entrever, prever e rever; mas não prover e precaver.

Centaurus
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  • Centaurus, obrigado pela resposta. Eu acho que não entendeste a minha pergunta. Eu não sei como explicar aqui no comentário, então, ... Obrigado! – Schilive Sep 13 '21 at 19:59
  • @Schilive Por favor, explique. A sua pergunta é "porque não seguem a regra?". Foi a partir daí que elaborei minha resposta. – Centaurus Sep 14 '21 at 16:09
  • Centaurus, eu quis perguntar o motivo da irregularidade aparente; p.ex.: por que "vejo" e não "vo"? A melhor resposta seria algo como "video" → "vidyo" → "vedjo" → "vejo". Ou seja, um motivo etimológico para isso. Novamente, obrigado pela resposta. – Schilive Sep 14 '21 at 20:30