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Nos presentes do indicativo e subjuntivo do verbo trazer quais são as conjugações com vogal aberta e vogal fechada?

O verbo trazer é irregular portanto nas seguintes tabelas assinalei a sílaba tónica com itálico e a mudança de vogal na raiz com negrito. Também assinalei a separação silábica usando um ponto (não tenho a certeza se está correcto — por favor confiram).

O uso do termo "alternância vocálica" parece-me por vezes confuso na literatura, dependendo dos autores parece que pode referir-se a:

  1. Mudança de vogal aberta para vogal fechada.
  2. Mudança de consoante na raiz do verbo.

Mas neste caso quero colocar a pergunta abstraindo o termo "alternância vocálica" e procuro saber simplesmente:

  1. Se ocorre mudança entre vogal aberta e vogal fechada na raiz?
  2. Se há uma regra que podemos aplicar para detectar a mudança na vogal? Por exemplo encontrei esta regra que desconhecia e quero saber se também é válida para detectar a mudança entre vogal aberta e fechada neste verbo da 2ª conjugação?
Pessoa Presente do Indicativo Sílaba tónica
Eu tra.go rizotónica
Tu tra.zes rizotónica
Ele traz rizotónica
Nós tra.ze.mos arrizotónica
Vós tra.zeis arrizotónica
Eles tra.zem rizotónica
Pessoa Presente do Subjuntivo Sílaba tónica
Eu tra.ga rizotónica
Tu tra.gas rizotónica
Ele tra.ga rizotónica
Nós tra.ga.mos arrizotónica
Vós tra.gais arrizotónica
Eles tra.gam rizotónica
Jacinto
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bad_coder
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    É tudo igual. Não há diferença nos a's. – Lambie Dec 13 '21 at 17:30
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    Em Portugal, os aa tónicos são abertos; os átonos, trazemos, trazeis, são fechados, como em muitos outros verbos e outras palavras em geral. – Jacinto Dec 13 '21 at 19:33
  • @Jacinto estou agora a ver se consigo ler isto para compreender melhor. Sinceramente só de ouvido dizendo as palavras a diferença para mim não é aparente. Há outros verbos como "recear" em que é perceptivel. Obrigado pela indicação. – bad_coder Dec 13 '21 at 20:30
  • @bad_coder Você está interessado prioritariamente na pronúncia em pt-PT? – stafusa Dec 14 '21 at 08:04
  • @stafusa eu ainda estou a tentar perceber como isto funciona em pt-PT, mas as obras de referência que estou a usar são na maioria brasileiras e são escritas por referência à obra de Mattoso da Câmara Jr. (portanto frequentmente não é clara a distinção e por vezes nem é preciso fazê-la). Por agora a resposta do Jacinto deixou-me inteirmante satisfeito, e também refere a diferença entre o português brasileiro e europeu. Se alguém sentir que mais há a acrescentar convido-os a responderem para complementar. – bad_coder Dec 14 '21 at 08:17
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    @stafusa e bad_coder, no Brasil também há alguma alternância vocálica, mas não no a aberto vs fechado (é sempre aberto) e muito menos pronunciada. Nos verbos, e creio que em muitas outras palavras, o e e o são fechados quando átonos, mas podem ser abertos quando tónicos (e aberto em resta mas fechado em restamos (ê, só que átono); em Portugal, aberto vs. r[ɨ]stamos). Depois há a alternância vocálica que até se representa graficamente, que é universal: visto - veste, subo - sobe. Mas creio que isto já ia muito além da pergunta... – Jacinto Dec 14 '21 at 08:34

1 Answers1

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Em Portugal, como eu falo e como sempre ouvi falar, esse a é fechado quando é átono (1ª e 2ª pessoa do plural) e é aberto quando é tónico (restantes pessoas). Isto é válido não só de trazer mas da maioria dos verbos e outras palavras em geral. Isso mesmo afirma a Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunha e Lindley Cintra (Lisboa, 2014, p. 520), que também confirma o que o Schilive disse nos comentários: que no Brazil esse a é sempre aberto.

Vou exemplificar (a pronúncia de Portugal), usando [ɐ] para representar o a fechado e [a] para o aberto (são os símbolos do alfabeto fonético internacional):

infinitivo       eu           tu            ele             nós               vós              eles
(fechado)                                                            (fechados)
tr[ɐ]zer:     tr[a]go     tr[a]zes     tr[a]z        tr[ɐ]zemos     tr[ɐ]zeis     tr[a]zem
l[ɐ]var:       l[a]vo       l[a]vas       l[a]va       l[ɐ]vamos       l[ɐ]vais      l[a]vam
p[ɐ]tir:       p[a]rto     p[a]rtes     p[a]rte     p[ɐ]rtimos      p[ɐ]rtis      p[a]rtem

Naturalmente, o a também fechado nas formas arrizotónicas de outros tempos. Por exemplo no indicativo de trazer, todas as pessoas do imperfeito, futuro, etc. — tr[ɐ]zia, tr[ɐ]rei... E a mesma coisa acontece noutras palavras:

c[a]r[ɐ], c[ɐ]rinh[ɐ], c[ɐ]rinho, c[ɐ]ríssimo
/bɐtatɐ, bɐtɐtadɐ/

Isto é o fenómeno geral da redução do a átono no português europeu. Só se aplica ao a oral (o nasal é fechado mesmo quando tónico, canto, acampo) e monotongo (o a é aberto nos ditongos mesmo quando átono, causamos, pairamos). Mesmo nos orais monotongos há mais exceções. O a é aberto mesmo que átono quando forma sílaba com um l a seguir (saltamos); e é fechado mesmo que tónico quando seguido de consoante nasal ([ɐ]mo, ab[ɐ]no, ap[ɐ]nho); exceção a esta exceção é o a aberto em g[a]nhar, g[a]nho, g[a]nhamos, etc. (ver esta pergunta) e na primeira pessoa do plural do pretérito do indicativo dos verbos em -ar (lev[a]mos, por oposição a lev[ɐ]mos no presente).

Nos verbos este padrão é quase universal. Nas palavras de outras classes há mais exceções. Por exemplo, o a tónico do radical mantém-se aberto quando passa a átono nos advérbios em -mente (facilmente, raramente), nos diminutivos em -zinho (devag[a]rzinho), mas não nos em -inho (devag[ɐ]rinho). Mantém-se aberto mesmo que átono em palavras como contr[a]ção. Nalgumas desta palavras o a era na grafia pré AO90 seguido de consoante muda (contracção), mas noutras não era—infl[a]ção nunca teve consoante muda.

Há o fenómeno paralelo da elisão do e átono ou a sua redução a /ɨ/ (som quase inaudível que não existe no português brasileiro, comparem gelar pronunciado por portuguesa e brasileiros; v[ɛ]lo, com e aberto, mas v[ɨ]lamos ou vlamos) e da redução do o átono a [u] (g[ɔ]sto, com o aberto, mas g[u]stamos). Nos verbos isto acontece, tal como em trazer, na 1ª e 2ª pessoa do plural do presente do indicativo e subjuntivo. Novamente, em Portugal mas não no Brasil. Celso Cunha e Lindley Cintra explicam isto exaustivamente (p. 519-28).

Jacinto
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  • Obrigado pela resposta @Jacinto vou estar a ver isto nos próximos dias! Depois do teu comentário inicial voltei a dizer o verbo e já conseguia ouvir a diferença, agora vou tentar perceber a teoria e aprofundar. – bad_coder Dec 13 '21 at 21:38
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    @bad_coder, sempre às ordens. Acrescentei mais uma achega e uma referência que explica isto exaustivamente. – Jacinto Dec 13 '21 at 21:50