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A palavra "mané" é muito utilizada, informalmente, no Rio de Janeiro. Conheço dela dois usos: o primeiro tem o mesmo sentido de "cara" ou "gajo" (1), e o segundo é um insulto, com o significado de "bobo" ou "canalha" (2).

  1. Tudo bem, mané?
  2. Ele é um mané.

A partir de quando na história do Rio essa palavra passou a ser empregue em cada um dos dois casos?

Jacinto
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felipe.zkn
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    Outro uso comum (que talvez tenha relação com a origem, apesar de poder afirmar isso) é o simples diminutivo do nome próprio Manoel (ou Manuel). É comum usar "Mané" como apelido para quem tem esse nome. – James Aug 27 '15 at 12:20
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    "Mané é um palavrão em todo lugar do Brasil. No entanto, em Florianópolis, essa palavra virou motivo de orgulho, denominando o habitante local. e um pouco comum em portugal e em algumas regiao como no fundão , mané do fundao e um ser que habita em patchachas como o da sua avo florentina o seu nome proprio e eduardo e tem um gosto peculiar por homens de rabo de cavalo." Fonte – juliana beduschi Aug 28 '15 at 01:14
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    "Malandro é malandro e mané é mané..." música de Moreira da Silva – jean Feb 19 '16 at 13:40

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Refiro-me ao uso de "mané" na cidade do Rio de Janeiro. Para afirmar qualquer coisa a respeito de seu uso em todo o Brasil, seria necessário ter percorrido os vinte e seis estados fazendo pesquisa, com um protocolo abalizado por estatístico, ou então citar a(s) referência(s) bibliográfica(s) fidedignas.

Não posso afirmar a origem, mas recordo bem que a gíria surgiu no início dos anos noventa, no século passado, e discordo da afirmação de que trata-se de um palavrão. Já existia a palavra "mané" como corruptela de Manoel, há longa data e a gíria surgiu com os seguintes significados: imbecil, idiota, otário.

No Rio de Janeiro mané é pejorativo e, dependendo de com quem e como se fala, frequentemente ofensivo. No entanto está longe de ser um palavrão.

exemplos:

  • Pô, cara, tu é um mané. (sem concordância entre pronome e verbo, comum quando se usa gíria.)

  • "Tem que ser muito mané pra fazer uma coisa dessas."

  • "Olha só, o cara é um mané."

Centaurus
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  • Centaurus assim que referiste Manoel, lembrei que aqui, em Braga pelo menos, usamos muito "Zeca" (vem de José(Zé) Carlos) no sentido de Mané. "Então como é Zeca está tudo bem?" e "És um Zeca, para que gastaste o dinheiro todo?". Se calhar a origem de Mané pode ser idêntica. – Jorge B. Feb 19 '16 at 12:26
  • Minha mãe é do interior do Estado de. Minas Gerais, e ela usava tanto "Zeca" quanto "Jeca" com esse propósito. Embora Jeca muitas vezes vinha também com a conotação de bruto e ignorante, também tinha o imbecil, tolo, boboca, etc. Não sei a origem do Zeca, mas Jeca creio que veio do personagem Jeca Tatu. – Luciano Aug 11 '17 at 13:48
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Mané na aceção de ’indivíduo inepto, bobo’, não é exclusivo do Rio de Janeiro. Segundo o dicionário Houaiss é comum a todo o Brasil e a regiões de Portugal. E é muito antigo, já vem atestado em 1889 no Dicionário de Vocabulos Brazileiros de Henrique Beaurepaire-Rohan (grafia original em todas as citações):

Mané, s. m. individuo inepto, indolente, desleixado, negligente, palerma. Tambem dizem Manécôco e no Amazonas Manembro. || Etym. É apocope do termo Manêma, que tanto em tupi como em guarani, significa frouxo (Montoya) e mofino [desafortunado, covarde] (Voc. Braz.), o que está de accôrdo com a nossa definição. || É syn. De Bocó e Bocório, de que igualmente se usa no mesmo sentido depreciativo. || Obs. Ha o termo homonymo Mané, de que se serve a gente da plebe, como diminutivo de Manoel.

Antenor Nascente, mencionado no dicionário Houaiss, também dá manema, do tupi ma’nema, como origem de mané, mas por via diferente: manema é farinha grossa de mandioca, e por isso de menos préstimo que a fina; daí, segundo ele, a aceção de indivíduo inepto.

Mas o Houaiss diz que outra origem possível é simplesmente o nome Manuel. E há boas razões a favor desta tese. Já em 1839 reinava em certos setores da sociedade brasileira a ideia que os Manuéis eram tolos, como reportado no jornal O Carapuceiro (Pernambuco, 7-6-1839) e depois em O Monitor (Rio de Janeiro, 28-8-1939):

Quem não terá ouvido, mórmente em companhia de Senhoras, aprovar estes, e reprovar aquelles nomes? […]
A respeito dos homens porfião, que os Manueis são tolos, os Joões aparvalhados, os Cazuzas velhaquetes, os Quinquins geniosos, e já ouvi a varias Senhoras afirmarem, que a filhos seus nunca porião o nome de Francisco; por que todos são doudos, e estragados.
[…] hoje as pessoas de bom tom já não baptizão nem Chrismão seus filhos por João, Manoel, Jozé, Pedro […] porém sim por Leoncio, Rodolfo, Leovigildo, Franklim. &c. […] e tal he a mania a este respeito, que em nascendo qual quer menino, seus pais, padrinhos, ou parentes pôe-se logo a indagar, e parafusar hum nome bem extraordinário, e exquisito para lh’o darem no Baptismo;

Também em favor da origem em Manuel temos mais recentemente Heinz Kröll, Eufemismo e Disfemisno no Português Moderno (1984), capítulo III — Defeitos morais e mentais, secção 1. Estupidez e Imbecilidade (p. 39):

É bastante frequente nomes próprios de pessoas passarem a designar o estúpido. Escolhem-se para esse fim, por via de regra, os nomes mais vulgares ou então os nomes mais raros e um tanto ridículos. Assim por exemplo: […] joão, joão-da-horta, lopes, lucas (provavelmente por analogia fonética com louco e maluco), mané, manel, manécoco (Fial[ho de Almeida, Os] Gat[os] V, 250:… como neste País tudo continua a estar nas mãos de dez ou doze manécocos…), mané-jacá, mané-zé, manuel-da-horta […] zé-piegas, zé-quitólis, zé-da-véstia.

A mulher estúpida é chamada amélia, bazilinha, engrácia, maria-ingélica ou roberta.

A estes nomes, dos quais, com significado de imbecil, apenas alguns me são vagamente familiares, posso acrescentar toino, versão popular de António umas gerações atrás. (O pessoal do Priberam deve ser bué da toino para não saber isso.) És mesmo toino significa ’és mesmo parvo, rústico, atrasado’.

Por sua vez Luís da Câmara Cascudo, no seu Dicionário do Folclore Brasileiro, 1954, indica mané como variante de mané gostoso:

Boneco de engonço, com movimentos nas pernas e braços puxados por cordões. Brinquedo infantil. Antigo personagem do bumba-meu-boi. Homem tolo, imbecil, palerma, aparvalhado, sem vontade. É um mané gostoso! O mesmo que mané-coco, mané-besta, mané-de-Sousa, pai-mané. Beaurepaire Rohan (Vocabulário da Língua Brasileira, RJ 1889), fixando mané, diz ser apócope de manêma, significando no tupi-guarani mofino, frouxo, pulsilânime. Ocorre naturalmente a apócope do português “Manuel”, dito popularmente Mané, mané-tolo, mané-bestalhão, manezinho, etc. Beaurepaire Rohan informa que menembro é idêntico ao mané no vale do Amazonas.

Mané na literatura, só consegui encontrar recentemente (é difícil encontrá-los, porque há montes de falsos positivos). Mané gostoso é fácil de encontrar em épocas mais antigas. O autor brasileiro Ariano Suassuna, em Torturas de um Coração (1951), usa-o com o significado corrente de mané:

Vicentão: «O que tem aqui é moreno queimado! / Mas gente que não suporto / É esse tipo delicado e dengoso / O que é que as mulheres veem nesse mané-gostoso»

Benedito: «Mas Marieta, você gostar / Dum mané-gostoso desse!»

Encontramos uma ocorrência mais antiga, com um significado um pouco mais especializado, nos Anais da Câmara dos Deputados [do Brasil] — Vol 7 — p. 218 (1914):

Pois, quando todo mundo sabe que o nosso chamado Poder Legislativo não passa de um Mané gostoso, cujos cordões estão nas mãos do Presidente da Republica;

Mané-coco encontramos já em 1830. Num artigo em O Cruzeiro (Pernambuco, 15-11-1830), um indivíduo primeiro apelidado de “Snr. pateta” e “pedaço d’asno” é depois apelidado de “Mané-Coco”:

Dizem que a Santa Inquisiçaõ era tirana, naõ tinha nada de humana he verdade; mas ao menos não se viaõ tantos sicrilegios como de presente estamos vendo, e proderiaõ ser que o Snr. Mané Coco naõ passasse bem em argoir os actos de Religiaõ de ignominiozos.

Esta outra passagem num artigo do Monitor Campista (Campos, Rio de Janeiro, 9-8-1834) não precisa de explicação:

[…] que pai de familia haverá tão bajoujo, e Mané côco, que deixe sua filha rapariguinha, galante, e abastada ir confessar-se a hum Clerigozinho amoladinho, e gamenho, que póde muito a seu salvo requebrar-se com ella no Confessionario, seduzil-a para cazar, e d’ali entabolar hum namoro talvez indestructivel?

Eu não conhecia nenhum destes manés em Portugal, mas encontrei um Mané-Coco já e 1866 numa história (será que verdadeira?) de Camilo de Castelo Branco (“Uma Epístola de Garrett e o Porto”, em Cavar em Ruinas).

Depois disto tudo, a minha opinião é que a tendência para usar variantes de nomes próprios com sentido pejorativo teve quase de certeza o seu papel no surgimento, ou surgimentos, de mané como ’bobo’. E não tem que haver uma raiz única: o ma’nema tupi e o mané gostoso podem perfeitamente ter ajudado a fixar esse significado de mané

Quanto a mané como um termo amigável para cara, gajo no Rio de Janeiro, aconteceu um fenómeno semelhante na ilha de Santa Catarina, onde mané(zinho) ou mané(zinho) da ilha foi adotado pelos próprios habitantes para se referirem a si mesmos.

Jacinto
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  • Uau! Bela busca, @Jacinto! Em acréscimo, no Brasil (ou pelo menos no Rio de Janeiro com certeza), também se utiliza a expressão zé mané com a mesma conotação pejorativa (como em "Fulano?! Fulano é muito zé mané!" -- itálico sugerindo ênfase na pronúncia), à qual se pode eventualmente agregar alguma conotação afetiva quando usado ao se dirigir para alguém com quem se tenha proximidade (Como em "Fala, seu zé mané! Tudo bom contigo?"). – Marcelo Ventura Jun 04 '16 at 18:52
  • @MarceloVentura Obrigado, eu não brinco em serviço ;) Esse zé mané mais me convence que mané vem principalmente de Manuel. O JorgeB também diz (comentário a outra resposta) que na zona dele (Braga) se usa zeca com a mesma conotação. Eu vivo uns 300 km mais a sul e nunca ouvi zeca usado assim. Parece que o pessoa está constantemente a criar novos apelidos jocosos a partir de nomes. – Jacinto Jun 05 '16 at 17:27
  • Não podemos esquecer também que na época do Brasil colônia, frequentemente os portugueses (manoéis e joaquins) eram classificados de forma pejorativa como burros, estúpidos - origem das tais "piadas de português" . – Zuabros Aug 26 '20 at 16:03
  • @Zuabros, fiz (já algum tempo) a tal atualização que prometi desta resposta: já em 1839 havia no Brasil a ideia de que os Manuéis eram tolos. – Jacinto Nov 29 '20 at 19:16
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Sorry my portuguese not good enough to write : Recent use of "Mané" by singer Flavia Coelho in her song "Sunshine" in this verse : "Acendio um cigarro e pensou na mulher, sera que ta na cama com um outro mané".

Flavia Coelho biography states she is Carioca with Nordeste roots.

Here is the link : https://www.youtube.com/watch?v=1NjXMrhP_iE

I lived in Rio de Janeiro but could not find a translation for this word then your forum helped me. Obrigado!

chrisb3
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A palavra mané é originária de África (Mandingas e outras etnias africanas do império) concretamente no império de Malí, os guardas do império são apelidados de Mané. Com a chegada dos brancos e o comércio do escravo, um bom par de número de Manés foram levados para as américas e outra parte do mundo como escravos e para citar os escravos em multidão utilizam Manés e para citar um indivíduo eles dizem Mané. Com o tempo passou a ser insulto como caso de catinga que antigamente os brancos citam como cheiro dos africanos na Senzala e agora passou a ser cheiro de quem não é asseado.

Jorge B.
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Mané é o apelido dos "Manoéis ou Manuéis", nome muito utilizado em Portugal e posteriormente na colônia brasileira. O nome próprio é derivado de Emanuel, nome bíblico atribuído pelo anjo anunciador do nascimento de Jesus, que significa "Deus Conosco" ( Evangelho de Mateus, 1:23). Em hebraico: עמנואל , Deus conosco; Em latim: Emmanuel) Jesus, o Deus Conosco, mas no Brasil virou Mané.

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Manee é a o pejorativo de maniqueista, ou seguidor de Mani. Religião perseguida pela igreja catolica dos anos 300dC em diante

Édson
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    Édson, bem-vindo ao "Língua Portuguesa". Em que é que te baseias para afirmar o que afirmas. Aqui neste site é importante explicar isso. Se não, qualquer um pode arranjar "explicações instantâneas": mané é 'o que vai com a manada' ou mané vem de manietado. – Jacinto Jun 08 '20 at 06:00