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Há um tempo assisti a um programa de entrevistas onde o apresentador (brasileiro) conversava com um português e ambos falavam sobre diferenças nos portugueses. Um dos assuntos discutidos foi o uso do verbo saber no sentido de ter sabor ou gosto. A frase usada como exemplo foi algo como:

Hum, esta sopa me soube muito bem.

Ao ouvido brasileiro este uso parece estranho, no mínimo incomum. Sei que é um uso válido (segundo o Dicionário Priberam), mas minha pergunta é sobre como este uso soa a um português? Este uso é habitual em pt_pt?

gmauch
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Normalíssimo da Silva em Portugal e pelos vistos não completamente desconhecido no Brasil. Encontrei o verbo em autores brasileiros recentes. O Aulete digital tem também a definição relevante, e não a restringe a Portugal:

Saber 9 Ter sabor; ter sabor de ou parecido com o sabor de [int. : Experimente este vinho, veja como ele sabe!] [tr. + a : Seus beijos sabiam a mel e canela.]

Por curiosidade, saber herdou os dois significados, ter conhecimento e ter sabor, do latim sapere. Mas no português difere na primeira pessoa do singular do presente do indicativo: eu sei (tenho conhecimento); eu saibo (tenho sabor).

Todos os exemplos seguintes seriam frases comuns em Portugal, incluindo as dos autores brasileiros. Todo os autores citados são brasileiros (negrito meu).

Hum, esta sopa soube-me muito bem.

Cristina se sentara à mesa. Tomava a sua canjica, mas esta já não lhe sabia bem. (Rachel de Queiroz, O Galo de Ouro, 1985.)

Este bacalhau soube-me que nem ginjas (= soube-me mesmo muito bem).

Também é possível a conjugação não pronominal. Nesse caso, estás a dizer que o que o sabor que detetaste é uma coisa objetiva com a qual toda a gente concordaria:

Baargh! Esta carne sabe a ranço.

Esta sopa sabe mal que se farta.

Saudade é dor que não dói, Doce ventura cruel, É talho que fecha em falso, É veneno e sabe a mel.. (Simões Lopes Neto, Contos Gauchescos, 1912.)

Pode também ser usado acerca de coisas que não se saboreiam com a língua:

Não tinha vergonha de dizer aos quatro ventos que vivia apaixonada. Naquele tempo, aqui nesta terrinha, isso valia como afronta aos costumes, era falta de recato, sabia a indecências. (Francisco Dantas, Cartilha do Silêncio, 1997.)

Esta brisa fresca na cara sabe-me mesmo bem.

A curiosidade instigava-o a andar para diante; por bom humor talvez, sabia-lhe bem aquela caminhada. (Júlia Lopes de Almeida, A Falência, 1901.)

[...] Margarida, um pesadelo, deitava sem alegria, findava o serviço e pronto, ele mesmo já provara, sabia a coisa nenhuma [...] (Caio Fernando Abreu, Onde Andará Dulce Veiga, 1990.)

Agora as achegas dos comentadores abaixo:

As férias foram ótimas, mas souberam a pouco. (Queria mais.)

O jantar foi bom. Soube a pato. (Ou a penas, alguém inesperadamente e sem grande razão para isso pagou-mo.)

E depois há ainda uma coisa que, não obstante o mau exemplo da Margarida do Caio Abreu, sabe mesmo mesmo bem, mas não é preciso entrar em pormenores, vocês já devem estar a ver o que é:

Eu saibo-te a sal? Pudera, fizeste-me suar que nem um cavalo.

Jacinto
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    Acrescentaria só, em sentido figurado: "Foi bom, mas soube(-me) a pouco" – Artefacto Sep 29 '15 at 18:11
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    É tão normal, que existe a expressão "saber a pato". – ANeves Sep 29 '15 at 18:38
  • @Artefacto Obrigado pela achega. Tinha-me esquecido dos significados figurados todos. – Jacinto Sep 29 '15 at 21:38
  • @ANeves Obrigado pela achega. Ainda continuo sem saber desses usos especiais da pontução que não transparecem na fala. – Jacinto Sep 29 '15 at 21:39
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    Dois comentários: primeiro - aos nossos ouvidos de ultramar esse uso do verbo saber soa muito estranho. segundo - porque o Silva de "da Silva" é escrito com letra maiúscula, uma vez que não se trata mais de um sobrenome e sim uma expressão idiomática? – Centaurus Sep 30 '15 at 01:52
  • Jacinto, gingar (/g/) é "bambolear", e ginja (/j/) é um fruto. – ANeves Sep 30 '15 at 09:35
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    @Centaurus abre uma pergunta! :) – ANeves Sep 30 '15 at 09:39
  • @Centaurus Sim, sim, a pergunta já explicita que o saber de ter sabor soa estranho no Brasil. O objetivo da minha resposta, foi, bem responder à pergunta, que é sobre o seu uso em Portugal. Silva com maiúscula, foi porque eu estava mesmo a pensar no sobrenome e não na planta. Mas se calhar deve ser mesmo escrito com minúscula. – Jacinto Sep 30 '15 at 16:31
  • @ANeves Obrigado pela correção. Vi o teu comentário, vi o texto; estava correto, e fiquei a pensar, que raio quer ele dizer. Só revendo as edições é que vi estava mal na versão inicial. – Jacinto Sep 30 '15 at 16:36
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    ((Ai, que confusão! Eu pensei que o teu comentário continuo sem saber desses usos especiais da pontução que não transparecem na fala, @Jacinto , era sobre o meu edit - por causa da palavra "pontuação"... e respondi como se fosse.)) – ANeves Sep 30 '15 at 17:07