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"Suicidar" significa "se matar", "tirar a própria vida".

Logo, falar "fulano se suicidou" seria redundante? Me parece (estou certo?) ser o mesmo que falar "fulano se se matou".

Porém falar "fulano suicidou" também fica estranho, está correta? Se não, qual seria a forma correta?

Costamilam
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3 Answers3

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Suicidar-se ou se suicidar está correto e não é redundante. A questão é que em português o verbo suicidar não existe (não o encontras nos melhores dicionários, como o Houaiss ou o Aulete); o que existe é suicidar-se (Aulete) , e o se aqui não tem função reflexa—é antes um pronome inerente; faz parte do verbo, à semelhança de rir-se ou queixar-se. Cito a Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunha e Lindley Cintra (Lisboa, 2014, p. 510-12; negrito meu):

Muitos verbos são conjugados com pronomes átonos, à semelhança dos reflexivos, sem que tenham exatamente o seu sentido. São os chamados VERBOS PRONOMINAIS, de que podemos distinguir dois tipos:

a) os que só se usam na forma pronominal, como:

apiedar-se, queixar-se, condoer-se, suicidar-se

[...]

O PRONOME PESSOAL ÁTONO pode, assim, ser um marcador de reflexividade [...] ou integrar o verbo (nesta obra, designado “verbo pronominal”) com que se combina (valor inerente):

[...]

Como exemplos de verbos com pronome se inerente, poderiam apresentar-se os seguinte: admirar-se, apaixonar-se, arrepender-se, atrever-se, casar-se, enganar-se, esforçar-se, esquecer-se, indignar-se, lembrar-se, orgulhar-se, queixar-se, rir-se, suicidar-se, zangar-se.

Na prática podemos distinguir o se reflexo do inerente, porque podemos reforçar o reflexo com a mim mesmo, a ti mesmo, etc., enquanto o inerente não pode ser assim reforçado: conhece-te a ti mesmo, mas não riu-se a si mesmo ou suicidou-se a si mesmo (embora eu diga suicidou-se a si mesmo por brincadeira).

Já ha algumas perguntas que abordam esta questão do se inerente versus reflexo: arrepender-se é um verbo reflexivo? e the real meaning of ‘esquecer’.


É verdade que de acordo com o dicionário Houaiss (Lisboa, 2002) suicidar-se vem de suicida, formado por sui + cida, por analogia com homicida, e sui é o genitivo latino do pronome reflexivo se e -cida é o pospositivo latino que significa ‘que mata, que corta, que deita abaixo’. Logo poderíamos ser tentados a dizer que suicidar já significa ‘matar-se a si mesmo’. Mas isto seria incorrer numa falácia etimológica (ver na wikipédia em espanhol), isto é, pensar erradamente que o significado de uma palavra é determinado pela sua origem. Por essa ordem de ideias, comigo também seria redundante, já que vem em última análise de com + o latim mecum (Aulete), e mecum já significava ‘com mim’.

Jacinto
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  • Como já dizia o Asterix, aqueles romanos deviam ser loucos. Falavam ao contrário: onde já se viu mim com (mecum)!? – Jacinto Aug 29 '18 at 07:52
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Sim, a princípio é redundante, mas de uso consagrado: a forma com o "se" é a correta.

Convém notar, no entanto, que, conforme esclarece muito bem a resposta de Jacinto, por ser parte intrínseca do verbo, sem conter qualquer sentido reflexivo, o "se" é uma redundância apenas aparente.

stafusa
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  • Compreendo e concordo com o espírito (+1), mas não concordo totalmente. Vê a minha resposta (quando estiver pronta). – Jacinto Aug 29 '18 at 06:26
  • Na verdade, @Jacinto, tua resposta é muito melhor (inclusive atualizei a minha). Espero que o OP também reconheça isto e a aceite. – stafusa Aug 29 '18 at 07:39
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    Eh pá, obrigado; uma pessoa fica emocionada :) -- incluí uma nota acerca da falácia etimológica. – Jacinto Aug 29 '18 at 07:45
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A palavra suicídio vem do latim, sendo formada por sui (= de si, a si) e cídio (= matar), significando matar a si mesmo. Logo, a grafia suicidar-se, embora seja utilizada, não parece ser a mais correta. A prova é que o verbete suicidar-se não consta do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), da Academia Brasileira de Letras.